As imagens são devastadoras. Centenas de pessoas perderam suas casas e agora tentam recuperar alguns de seus pertences dos escombros.
As autoridades garantiram que existem provas de que alguns dos focos foram acesos intencionalmente.
O próprio presidente, Gabriel Boric, pediu que sejam investigadas “todas as informações” sobre a origem dos incêndios.
“É difícil pensar que possa haver pessoas tão miseráveis e sem coração, capazes de causar tanta morte e dor”, disse ele.
“Mas se essas pessoas existem, vamos procurá-las, vamos encontrá-las e terão de enfrentar não só o repúdio de toda a sociedade, mas também todo o peso da lei”, acrescentou.
O presidente Boric determinou investigação sobre a origem dos incêndios — Foto: AFP
Embora grandes incêndios não sejam um fenômeno novo no Chile — o país já viveu anos críticos em 2014, 2017 e 2023, entre outros — este último tem uma dimensão sem precedentes devido ao número de vítimas.
Um dos fatores que mais tem chamado a atenção é a velocidade com que os incêndios se espalharam.
“Em apenas 10 minutos, o fogo estava aqui. Havia fumaça, o céu escureceu e tudo ficou escuro. O vento era como um furacão. Foi como estar no inferno”, disse à imprensa local uma mulher que estava numa das áreas atingidas.
Como se explica o nível de destruição deixado pelos incêndios? E por que o fogo se espalhou tão rapidamente? A segui, três fatores que contribuíram para isso.
1. Seca prolongada
O Chile tem sofrido secas durante os últimos 15 anos, que os cientistas atribuem diretamente às mudanças climáticas.
O fenômeno atinge principalmente a área central do país — onde fica a região de Valparaíso — devido ao prolongado déficit de chuvas.
Embora no inverno passado tenha chovido mais do que nos anos anteriores, os especialistas alertam que as consequências da seca ainda estão presentes.
E o período de escassez de água foi tão longo que a vitalidade do solo foi afetada.
Como os solos ficam mais secos, a vegetação sofre o que os especialistas chamam de “estresse hídrico” e a matéria vegetal queima com mais facilidade.
Especialistas afirmam que o território fica mais vulnerável a incêndios quando há plantações de reflorestamento ao invés de mata nativa — Foto: Getty Images/Via BBC
Somando-se a isso, tanto no centro como no sul do Chile existem muitas espécies invasoras, como o pinheiro ou o eucalipto, que foram introduzidas para a produção de celulose e madeira no país.
Essas áreas de reflorestamento circundam diversas áreas de Valparaíso e queimam com mais facilidade, dizem os especialistas.
“Os famosos pinheiros e eucaliptos queimam com relativa rapidez e, além disso, temos outras espécies arbustivas invasoras que geram uma quantidade muito elevada de combustível”, diz Aníbal Pauchard, diretor do Instituto de Ecologia e Biodiversidade da Universidade de Conceição.
Roberto Rondanelli, acadêmico do Departamento de Geofísica da Universidade do Chile, afirma que “a área é muito mais vulnerável quando tem mais plantações do que floresta nativa”.
“A floresta nativa é muito mais resistente ao fogo. Além disso, a densidade de biomassa das plantações florestais é maior que a da floresta nativa para maximizar as produções, e isso pode ser um problema”, acrescenta.
As autoridades estimam que cerca de 15 mil habitações foram afetadas pelos incêndios — Foto: AFP
2. Ventos fortes e altas temperaturas
As condições meteorológicas também tiveram um papel importante no nível de destruição dos incêndios.
Desde o início do fogo, na sexta-feira (2/2), a temperatura na região de Valparaíso ultrapassou os 33º C.
Essa temperatura foi descrita pelos meteorologistas como “extremamente elevada e incomum” para aquela zona costeira.
As altas temperaturas que o país sul-americano tem vivido neste verão também explicam porque os incêndios se espalharam tão rapidamente — Foto: AFP
“Foi uma onda de calor particularmente forte. Passamos uma semana com temperaturas recordes, registrando em torno de 37º nos vales. E são temperaturas que nunca são registradas nessa área”, diz Roberto Rondanelli.
O pesquisador diz que essas altas temperaturas têm a ver com as alterações climáticas e com o fenômeno El Niño, que normalmente está associado a eventos meteorológicos extremos.
Também foram registradas rajadas de vento de até 80 km/h nas áreas atingidas, o que favoreceu a propagação do fogo. E um nível de umidade abaixo do normal.
Isso afeta especialmente áreas urbanas localizadas em grandes vales que, segundo especialistas, funcionam como “aceleradores de vento”, dificultando o controle dos incêndios.
A abundância de morros e vales na região de Valparaíso contribui para que os ventos atinjam velocidades maiores.
3. Densidade populacional
As áreas afetadas pelos incêndios são densamente povoadas. Isso também explica a extensão da destruição — Foto: AFP
Outro fator que explica a extensão da destruição deste incêndio tem a ver com a infraestrutura das áreas afetadas.
Segundo especialistas, algumas das áreas queimadas são densamente povoadas, sem padrões adequados de planejamento ou muros de contenção.
Muitas das casas nessas áreas são precárias e feitas com materiais leves ou madeira, facilmente inflamáveis.
Em declarações à Rádio Cooperativa, Miguel Castillo, da Faculdade de Ciências Florestais da Universidade do Chile, destacou que a área afetada é “muito complicada”.
“São regiões que tiveram um aumento muito elevado da densidade populacional. É uma das razões que explicam como o fogo avançou tão rapidamente”, afirmou.
Roberto Rondanelli explica que muitas das áreas afetadas não estão “bem regulamentadas e há falhas enormes”.
“São locais onde obviamente não deveria haver construções, onde não há rotas de fuga”, afirma.
O Chile está sofrendo uma onda de incêndios florestais devastadores — Foto: Getty Images/Via BBC