A Polícia Federal chega ao final de 2024 com um acervo de 50 mil inquéritos, dos quais 40 mil foram abertos neste ano. A taxa de solução das investigações permanece em 85%, indicando a conclusão sobre a existência de um crime e a identificação dos culpados ou a constatação de que o crime não ocorreu.
Dentro das apurações encerradas neste ano, três atingem Jair Bolsonaro: comércio de jóias, cartão fajuto de vacinação e tentativa de golpe. Neste último caso, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, foi categórico: “O ex-presidente sabia da trama golpista”, declarou o delegado em café da manhã com jornalistas nesta quarta-feira 4. “Está lá, documentado. Tudo o que está posto ali [no relatório final] tem sustentação fática.”
A PF incriminou 59 pessoas diferentes ao finalizar os três inquéritos que envolvem Bolsonaro. Entre esses indiciados, 32 são militares, incluído aí o ex-presidente, um capitão reformado. A presença de fardados nos fatos investigados foi um desafio particular para a PF, em especial no caso da tentativa de golpe. “Havia técnicas [militares] para dificultar as investigações”, afirmou Rodrigues. Por exemplo: alguns investigados tinham a preocupação, ainda na época dos fatos, de não deixar rastros em antenas de celular, Uber e de dados usados na obtenção de chips e telefones.
Em linha com o mantra no governo e no Congresso, Rodrigues evitou críticas diretas às Forças Armadas como instituição, separando responsabilidades individuais (CPF) das institucionais (CNPJ). Alguns dos comentários do chefe da PF, porém, foram inevitavelmente alusivos às cúpulas militares. Sobretudo ao comando do Exército, que permitiu que vicejassem na porta de quarteis pelo País acampamentos de bolsonaristas que pediam golpe. “Queríamos ter desmontado”, disse.
E por que não foi possível? No caso específico de Brasília, a intenção brecou no então comandante do Exército, o general Marco Antonio Freire Gomes – general que, em depoimento à PF em março deste ano, ajudou a incriminar Bolsonaro na conspiração golpista.
A resistência à desmontagem do acampamento em Brasília foi confirmada pelo governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Em depoimento à PF, Rocha afirmou que Freire Gomes impediu a Polícia Militar de agir em 29 de dezembro de 2022. Já em 7 de janeiro de 2023, Rodrigues alertou as forças de segurança do Distrito Federal para impedir a saída de manifestantes do acampamento, classificando-os como “criminosos”. O pedido foi formalizado em ofício enviado ao ministro da Justiça, Flávio Dino, e encaminhado ao governo do Distrito Federal.
A gestão de Rodrigues na PF tem sido marcada pela antecipação dos riscos envolvendo o clima político. Antes de assumir o cargo, ele liderou a segurança de Luiz Inácio Lula da Silva na campanha presidencial de 2022, período em que 30 pessoas foram presas por atos violentos, algo inédito no Brasil. Durante a diplomação de Lula pelo Tribunal Superior Eleitoral, em dezembro de 2022, um quebra-quebra foi desencadeado pela prisão de um indígena que pregava resistência à posse de Lula. Dias depois, em 24 de dezembro, uma bomba foi plantada em um caminhão-tanque próximo ao aeroporto de Brasília. O artefato, montado no acampamento golpista, resultou na prisão e condenação de três pessoas.
Apesar do avanço nas investigações, o desdobramento dos três inquéritos que atingem Bolsonaro e seus aliados militares depende da Procuradoria Geral da República, responsável por decidir se tentará ou não levá-los ao banco dos réus.