A abstenção dos EUA na resolução aprovada expôs fissuras profundas nas relações entre os dois países e, principalmente, entre seus governantes.
Faz tempo que as relações entre Biden e Netanyahu azedaram. Mais especificamente quando o primeiro-ministro assumiu o sexto mandato, em dezembro de 2022, escorado por uma coalizão de extrema direita.
Com maioria parlamentar, tentou empurrar goela abaixo dos israelenses uma reforma judicial que o beneficiaria nos processos em que é julgado e deu aval para a construção de mais assentamentos na Cisjordânia.
Após o massacre do Hamas em território israelense, em outubro, Biden deu apoio incondicional ao país e ao direito de se defender.
A reação desproporcional de Israel em solo palestino pôs o presidente americano em situação desconfortável, sobretudo com a sua base democrata, que o pressiona por uma posição mais firme para exigir o fim dos combates em Gaza.
Metade dos americanos acha que Israel foi longe demais na forma como lidou com o conflito, segundo concluiu uma pesquisa realizada em fevereiro pela Associated Press. A população americana se mostra dividida em relação à ajuda militar a Israel e apoia o envio de ajuda humanitária aos palestinos.
Em ano eleitoral, o presidente americano vem tentando se equilibrar entre as investidas da coalizão extremista do primeiro-ministro israelense e a cobrança da ala progressista de seu partido e da comunidade árabe do país.
Ainda assim, ele manteve o escudo diplomático sobre Israel no Conselho de Segurança, com três vetos em resoluções votadas em outubro, dezembro e fevereiro.
Joe Biden e Benjamin Netanyahu, em encontro em outubro de 2023. — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
Nas últimas semanas, a tensão entre Biden e Netanyahu escalou a níveis desconhecidos. Ambos mostraram claras divergências sobre a incursão terrestre na cidade de Rafah, no Sul de Gaza, que o premiê israelense insiste em levar adiante, sob o argumento de concentrar-se ali o último reduto do Hamas. Biden avisou Netanyahu que os EUA discordam da operação.
A vice-presidente Kamala Harris articulou a insatisfação, alertando, no domingo, sobre os erros e as consequências desta incursão: “Olhei os mapas, estudei os mapas, os palestinos não têm para onde ir.”
No dia seguinte, a abstenção no Conselho de Segurança expressou a medida do desgaste entre os dois aliados. Netanyahu não deixou por menos. Fechou o diálogo, cancelando a viagem de uma delegação de alto escalão a Washington justamente para tratar da operação em Rafah.
O premiê acredita na sua capacidade de rejeitar pressões, mesmo dos seus melhores aliados para defender os interesses do país, como observou o jornalista David Horovitz, editor do “Times of Israel”: “Ele pode acreditar que isso o faz parecer forte e, assim, ajudará a resgatar a sua popularidade, destruída pelo fracasso em evitar a terrível invasão do Sul de Israel pelo Hamas.”
Enfraquecido internamente, isolado internacionalmente e visto como pária, o primeiro-ministro de Israel não está em posição de desprezar seu principal aliado e fornecedor da ajuda militar para desmantelar o Hamas. Netanyahu depende mais de Biden do que tenta convencer seus eleitores do contrário.