Nos dois eventos, a Venezuela promete ocupar boa parte das discussões. O presidente Nicolás Maduro, no poder desde 2013, trava uma disputa com a Guiana pela região guianense de Essequibo, rica em minérios. Além disso, enfrenta pressão internacional para que realize eleições livres e competitivas em 2024.
“Maduro, enfraquecido internamente, sempre pode querer unificar o país por meio de um conflito externo”, avalia Alarcón, embora não creia que uma ofensiva militar acabe ocorrendo.
“Mas o regime ameaça e intensifica a presença militar na fronteira e todos precisam ficar atentos a isso. Ninguém, muito menos o Brasil, com seu objetivo de ser líder regional, quer uma guerra. Todos precisarão sentar à mesa e pressionar Maduro”, completou.
O analista político é um dos três ouvidos pelo g1 que seguem vivendo na Venezuela e acompanham de perto a política do país. Os demais são: Luis Salamanca, da Universidade Central da Venezuela (UCV) e ex-reitor do Conselho Eleitoral Venezuelano (CNE) , e Luis Vicente León, presidente do Instituto de Pesquisa Datanalisis.
Os três dão variadas explicações sobre a resistência do chavismo na Venezuela (Maduro é herdeiro político do ex-presidente Hugo Chávez). E pontuam o quanto uma mudança de rumo será difícil.
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Governo ‘pela força’
Desde que Chávez foi eleito, em 1998, a Venezuela passou por amplas transformações econômicas, sociais e políticas — que foram consolidando o poder do governo central sobre praticamente todas as instituições. Com a morte de Chávez, em 2013, seu sucessor, Maduro, que não contava com a mesma popularidade, instituiu uma coalizão que ele mesmo chamou de “cívico-militar”.
Aprofundou a presença de militares no governo, acentuou o autoritarismo, a perseguição de opositores e dos meios de comunicação e conseguiu um feito importante para ele pessoalmente: derrotou opositores internos dentro do próprio chavismo.
Todo esse caldo tornou extremamente difícil o surgimento de uma oposição competitiva e com lideranças claras. “Passou a controlar as instituições e a governar pela força”, explica Alarcón.
Chances da oposição
A principal opositora, hoje, é Maria Corina Machado, considerada uma “radical de direita”pelo chavismo, que está inelegível por conta por causa de diferentes acusações como corrupção e formação de quadrilha, o que é negado por ela e, segundo grande parte dos especialistas, não têm fundamento legal.
Para Salamanca, o impedimento de Corina , favorita nas pesquisas para derrotar Maduro, já é uma amostra de que a “democracia na Venezuela se converteu em uma outra coisa”.
“Mas há vias abertas, e derrotar Maduro por meio do voto é a melhor saída”, acredita ele, lembrando que o regime vem aguentando e sobrevivendo “às pressões internacionais ao longo dos anos”.
Salamanca entende que, mesmo que Corina realmente não concorra, possa haver surpresas. Corina pode indicar outros nomes que sejam competitivos.
Para Alarcón, o governo “nunca esteve tão mal”. Uma prova, diz ele, são atitudes como a recente prisão da ativista Rocío San Miguel. “A oposição estando mais forte faz Maduro radicalizar para o outro lado”. Segundo ele, hoje 85% das pessoas na Venezuela gostariam de mudança – 40% destas se declaram chavistas.
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Futuro do regime
Já Salamanca avalia que Lula e o presidente colombiano Gustavo Petro, que têm boa interlocução e vínculos históricos com o chavismo, podem ajudar a abrir caminhos de negociação “convencendo Maduro e a elite chavista da necessidade de mudança”. “Uma saída pacífica para a crise interessa muito ao Brasil e à América Latina. Lula poderia aconselhar Maduro”.
Luis Vicente León, no entanto, analisa que o governo de Maduro se tornou tão forte e arraigado dentro da sociedade que essas negociações são extremamente complexas porque “o custo da saída de Maduro é muito alto para a dita revolução bolivariana”.
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“Há muitas forças dentro dessa autocracia venezuelana. Para que você imagine uma transição entre concentração de poder e democracia, você precisa analisar duas variáveis: o custo de saída do líder e o custo de permanência dele”, afirmou.
“Maduro só permitiria negociar se seu custo de permanência fosse muito alto e o de saída muito baixo. Mas o custo para ele sair é alto e a oferta é pobre”, avalia León. “A discussão sobre desejos da maioria da população, justiça ou democracia é acadêmica. Empiricamente, é vazia”, completou.
Para o analista, uma Venezuela pós-chavista só poderá ocorrer após uma negociação política real, em que ambos os lados reconheçam a força de seus adversários e entrem num acordo para uma transição lenta e compartilhada, que deem aos chavistas, por exemplo, “possibilidade de saírem sem serem perseguidos”. “Caso contrário, o que fará eles quererem sair”?, indaga. León não vê lideranças de nenhum dos lados ainda com essa capacidade de diálogo.
“Não gosto de dizer isso, mas a saída talvez não ocorra este ano. O que resta é que a oposição se mantenha ativa, jogando as regras do adversário e torcendo para que ele cometa erros”, avalia.
O país vem dando sinais de uma modesta, porém existente, recuperação econômica. Houve, segundo o especialista, de três anos para cá, um “distensionamento” com o setor privado e certas flexibilizações econômicas que melhoraram a vida no país. E se o chavismo foi bem sucedido em algo foi na sua capacidade de mobilização dos setores mais necessitados da sociedade e na propaganda com a ajuda dos dólares do petróleo. “Ou seja, a solução pode ser a longo prazo”, resume León.
Para Alarcón, “o governo Maduro não se sustenta pelo apoio popular e sim institucional. Mesmo num cenário pós-chavismo, será muito difícil reconstruir o país”.
Opção por ficar no país
Com mais de 7 milhões de pessoas tendo deixado a Venezuela nos últimos anos, o que faz cidadãos como os três especialistas ficarem no país?
“Muita gente acabou ficando presa aqui. A perda patrimonial é imensa. Uma casa que valia US$ 400 mil dólares hoje vale US$ 180 mil, e não tem ninguém querendo comprá-la”, conta Salamanca.
“Além do mais, amigos, família e trabalho ainda existem aqui. Se todos vamos, deixamos o país para eles [regime de Maduro]. E não estaremos aqui para ver as mudanças e nem recuperar a democracia”, diz Alarcón.
“Meu trabalho depende de eu estar aqui. E não é verdade que tudo se acabou. Tem gente investindo, produzindo, tem a indústria petroleira, há um exagero nesse discurso, por mais que o governo seja um desastre. É meu país e não quero sair”, finaliza León.