Mas as três mulheres — cujos nomes alteramos para sua própria segurança — compartilham da mesma determinação feroz em resistir ao governo teocrático do Irã e aos códigos de vestimenta que o mesmo impõe às mulheres e meninas há 45 anos.
Assim, todos os dias, elas saem das suas casas, na capital Teerã, sem cobrir o cabelo – apesar dos potenciais riscos.
“É muito assustador”, me diz Donya, uma estudante de música de 20 anos, por meio de um aplicativo criptografado.
“Porque eles podem prender você a qualquer minuto e te multar. Ou torturar você com chibatadas. A pena se você for presa é de 74 chibatadas.”
No mês passado, uma ativista curdo-iraniana de 33 anos, chamada Roya Heshmati, tornou público que havia recebido 74 chibatadas depois de postar uma foto sem véu.
Mas Donya, Azad e Bahareh dizem que, para elas, não há como voltar atrás.
“É simbólico”, afirma Donya.
“Porque é o mecanismo do regime para reprimir as mulheres no Irã. Se esta for a única forma de poder protestar e dar um passo pela minha liberdade, vou fazer isso.”
As três mulheres também vão protestar no fim desta semana ao não comparecer para votar nas primeiras eleições parlamentares do país desde que as autoridades reprimiram brutalmente a onda de protestos que se seguiu à morte de Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia da chamada “polícia da moralidade” do Irã, em setembro de 2022.
Ela havia sido detida por supostamente não usar adequadamente o lenço na cabeça.
Recusar-se a usar o hijab (véu islâmico) em público pode levar à prisão e à tortura – mas muitas mulheres deixam de usar assim mesmo.
“É verdade que não há mais uma presença forte de pessoas nas ruas”, me conta Azad, uma gerente de Recursos Humanos de 34 anos.
“Mas, em nossos corações, o regime foi completamente destruído, e as pessoas não aceitam nada do que ele faz. Por isso, a sua forma de mostrar desaprovação será não votar.”
‘A solitária era o pior lugar que você pode imaginar’
Azad foi detida pela primeira vez em outubro de 2022 e ficou presa por um mês.
Depois, ela foi presa novamente em julho do ano passado, por causa de postagens nas redes sociais criticando o governo, e passou 120 dias atrás das grades — sendo 21 deles em confinamento solitário.
“A solitária era o pior lugar que você pode imaginar”, diz ela.
“A porta da cela ficava trancada o tempo todo. A cela tinha 1 metro x 1,5 metro. Não havia luz externa, mas as luzes artificiais ficavam acesas dia e noite. Éramos vendadas quando íamos ao banheiro.”
Azad ficou tão perturbada com a experiência que chegou a bater a cabeça na parede da cela — e está traumatizada até hoje.
“Às vezes, começo a chorar sem motivo”, revela.
“Às vezes, não quero abrir os olhos porque acho que ainda estou lá. A memória da prisão está comigo o tempo todo.”
Ela descreveu interrogatórios que duraram das 8h da manhã até o anoitecer.
“Isso se chama ‘tortura branca’, é pior do que mil espancamentos. Eles iriam me ameaçar, me humilhar. Mas eu zombaria deles.”
E apesar de já ter passado por tudo isso, Azad ainda está disposta a arriscar ir para a prisão novamente ao sair sem o hijab.
“Depois que perdemos Mahsa Amini, prometi a mim mesma que não usaria o hijab, nem compraria outro para mim ou para qualquer outra pessoa”, diz ela.
“Toda mudança tem um preço. E estamos prontas para pagar por ele.”
Muitas mulheres no Irã agora saem sem lenço na cabeça, embora algumas usem um em volta do pescoço para o caso de serem paradas pela polícia da moralidade.
Mas me disseram que cerca de uma em cada cinco não usa lenço nenhum — em um ato diário de bravura, princípio e resistência.
“Nunca vou desistir”, escreve Azad em uma mensagem, seguida por um emoji de coração e um sinal de vitória.
‘Não tenho permissão para trabalhar sem o hijab’
Mas outra mulher com quem converso em Teerã se descreve como uma pessoa “esgotada” pela luta contra o regime.
Bahareh, uma repórter e crítica de cinema de 39 anos, sofreu uma enorme redução salarial para trabalhar de casa, em vez de ir para o escritório — onde seria forçada a usar o véu.
“Estou cansada e decepcionada”, ela me diz.
“Não tenho permissão para trabalhar sem o hijab, e não estou disposta a usá-lo.”
Ela agora precisa depender do salário do marido.
Recentemente, enquanto dirigia sem lenço na cabeça, Bahareh foi parada pela polícia — e teve seu carro confiscado.
Ela também foi detida no fim do ano passado, depois de postar fotos sem o hijab em sua conta do Instagram — e encorajar outras mulheres a fazerem o mesmo. Um Tribunal Revolucionário determinou uma pena de seis meses em liberdade condicional e o pagamento de uma multa.
“Fui insultada e ameaçada, disseram que eu estava errada, e me acusaram de incitar as pessoas à revolução e à nudez.”
Pergunto a Bahareh por que ela acha que não teve que cumprir a pena atrás das grades.
“Porque as prisões estão cheias de gente, e eles preferem apenas assustar pessoas como eu”, ela responde.
“Eu ainda saio, mas é difícil porque restaurantes, cafés e livrarias podem ser fechados por me deixarem entrar sem o hijab”, revela.
“Isso me faz me sentir muito amarga.”
Concordamos em apagar nossa conversa assim que terminarmos, tamanho o medo dela de ser flagrada conversando comigo.
“Depois, vou bloquear você”, ela escreve na mensagem.
“Não tenho escolha. Se eu for presa, ninguém vai poder me ajudar, e serei acusada de espionagem e condenada à morte.”
O terror e a coragem coexistem lado a lado para muitas mulheres iranianas dispostas a desafiar o regime. Assim como a raiva e a esperança.
‘Entrei em pânico, e meu pai também ficou com medo’
Donya conta sobre uma recente ida ao teatro com o pai no centro de Teerã.
Ela usava um gorro para se aquecer, e tirou no metrô. Foi quando um grupo de homens e mulheres de chador — os mantos pretos usados pelas integrantes da polícia da moralidade — gritaram com ela para colocar o lenço na cabeça.
“Eu não tinha (nenhum lenço). Só meu gorro. E um impulso obstinado dentro de mim se recusou a colocá-lo”, diz ela.
“Foi muito assustador. Continuei andando, ignorando eles. E eram tantos que ocupavam a maior parte da estação.”
Só quando ela ouviu um deles dizer ao outro: “Por favor, leve essa garota para a van”, que ela reconsiderou.
“Meu sangue gelou. Entrei em pânico, e meu pai também ficou com medo. Coloquei então meu gorro!”
A outra única ocasião em que Donya cobre a cabeça é para entrar na universidade, porque, do contrário, ela não seria autorizada a entrar. No entanto, ela conta que ela e outras pessoas tiram o lenço nas salas de aula.
“Minhas amigas e eu gostaríamos de poder usar roupas estilosas com penteados lindos na universidade – como em outros países.”
“As pessoas estavam – metaforicamente – adormecidas antes da morte de Mahsa, mas agora estão mais conscientes”, ela acrescenta.
“Os protestos são a razão pela qual tantas mulheres se recusam a usar lenço na cabeça nas ruas. Mas elas também estão cansadas da pressão e de todas as notícias de execuções. É um caminho difícil e exaustivo.”
Mas as pessoas ainda fazem grafites em paredes públicas, diz ela, e boicotam a televisão estatal.
“Vejo pessoas lutando por mudanças todos os dias”, afirma.
“Acredito na minha geração, a geração Z. Não suportamos a opressão. As pessoas aproveitam todas as oportunidades que podem para dançar, torcer ou cantar nas ruas, porque dançar é ilegal.”
Azad também é impulsionada pela solidariedade de estranhos — e por um novo senso de unidade contra o regime.
Ela afirma que até mesmo as mulheres que usam hijab a encorajam a se recusar a cobrir o cabelo. E está convencida de que, após 45 anos no poder, os dias da República Islâmica estão contados.
“A revolução vai acontecer”, diz ela.
“Mas ninguém sabe exatamente quando.”