O texto-base da reforma já havia sido aprovado pela Câmara e pelo Senado do México em setembro. Agora, os parlamentares estão discutindo a regulamentação da nova lei, com os detalhes para as eleições.
A implementação foi aprovada por um placar de 336 a 123. O partido governista, Morena, possui a maioria na casa, facilitando a tramitação da medida.
Caso a regulamentação passe pelo Senado e seja sancionada pela presidente Claudia Sheinbaum, a expectativa é que a população vá as urnas em junho do ano que vem para escolher membros do Judiciário.
Com isso, todos os ministros da Suprema Corte terão de renunciar ao cargo. Pela lei, a renovação do Judiciário por meio de eleições deve ser concluída em até três anos.
Os defensores da reforma dizem que ela melhorará a democracia mexicana e ajudará a corrigir um sistema que não atende mais ao público. Os críticos, no entanto, afirmam que a reforma pode trazer insegurança jurídica ao país.
A reforma também reduz o número de juízes da Suprema Corte, de 11 para nove. Além disso, houve um corte pela metade no tempo de experiência necessário para se qualificar para posições ministeriais.
Antes da aprovação da lei, a nomeação de ministros da Suprema Corte do México era semelhante à do Brasil. Os juízes eram indicados pelo presidente e confirmados pelo Senado.
Entenda a reforma
A controversa reforma proposta pelo ex-presidente López Obrador tem como objetivo alterar a Constituição. Isso possibilita que ministros da Suprema Corte, do tribunal eleitoral, desembargadores e juízes de primeira instância passem a ser eleitos por voto direto da população mexicana.
Além disso, todas as pessoas que atualmente ocupam esses cargos terão de renunciar.
Com a aprovação da lei, haverá uma eleição direta para juízes. Sendo assim, a população vai votar nos candidatos que se apresentarem para concorrer ao cargo.
Já para os cargos de ministros do Supremo e do Tribunal Eleitoral, a candidatura vai ser diferente: cada um dos poderes (Executivo, Legislativo e o próprio Supremo) vai apresentar uma lista com seus candidatos. Haverá uma campanha nacional e uma votação em lista. Os vencedores serão os nomeados.
As críticas ao projeto
De acordo com o jornal “Financial Times”, apenas um país, a Bolívia, elege os juízes da Suprema Corte por voto direto dos eleitores.
Rubens Glezer, professor da FGV e membro do grupo Supremo em Pauta, afirma que a forma mais comum é a indicação de nome pelo Executivo e aprovação pelo Legislativo.
Uma das ideias por trás dessa forma de indicação, segundo ele, é “blindar” os juízes de pressões políticas das maiorias. “Se houver votação para juiz da Suprema Corte, a tendência é que os eleitos sejam de regiões mais populosas, mas, nesse caso, como ficariam os direitos das pessoas de regiões menos populosas?”, afirma ele.
Uma Suprema Corte deve funcionar como uma espécie de freio “aos excessos emocionais de conjuntura, que historicamente tendem a ser danosos a direitos de grupos vulneráveis, no curto prazo, e para a comunidade como um todo, no médio e longo prazo”, diz o professor.
A lógica do modelo mais comum, pelo qual os ministros são indicados pelo poder Executivo e referendados pelo Legislativo, é que existe um crivo político para que o candidato seja escolhido, mas ele terá autonomia para exercer o cargo, segundo Glezer.
A analista política mexicana Jimena Díaz aponta uma possível consequência problemática com a eleição de juízes de primeira instância: grupos organizados podem financiar uma eleição para juiz.
“No México, por exemplo, tem crime organizado. Esse é o exemplo mais nocivo, mas pode ser também financiamento do setor empresarial –as petroleiras, as farmacêuticas podem ter seu juiz, seu magistrado, seu ministro do Supremo”, ela afirma.
O plano de López Obrador
Andrés Manuel López Obrador com Claudia Sheinbaum, em setembro de 2023 — Foto: Henry Romero/Reuters
A analista política Jimena Díaz diz que o grande arquiteto dessa reforma é o ex-presidente López Obrador, que tem três propósitos políticos:
- Influenciar a pauta da campanha eleitoral: a reforma judicial não foi a única que ele enviou para o Congresso para ficar “engatilhada”; o ex-presidente também encaminhou um mecanismo de paridade do salário mínimo com a inflação e mudanças na forma como funciona o setor elétrico; ambos foram tópicos das campanhas.
- Determinar qual vai ser a agenda da aliada dele, Claudia Sheinbaum. “A força de Sheinbaum é totalmente derivada do endosso que ela recebeu do ex-presidente. As eleições, na prática, foram um referendo sobre López Obrador: as pessoas que gostam dele votar em Claudia. Ela foi defensora das propostas, mas não sabemos o que vai fazer quando se sentar na cadeira. Ela sabe que não vai poder se desvincular politicamente do presidente —se ela fizer isso, não vai conseguir governar”.
- Manter-se vivo politicamente: Pelas regras eleitorais do México, López Obrador não pode voltar à presidência. No entanto, diz Jimena, “ninguém pensa que ele vai para o rancho dele; a grande maioria dos deputados é fiel a ele, não a Cláudia. Ele quer se manter vivo e manter viva sua agenda”, afirma ela.