O ataque foi um dos maiores em 13 anos de guerra na Síria entre forças rebeldes e o Exército, fiel ao ditador Bashar al-Assad, que controlava cerca de 70% do território sírio até a retomada dos combates.
Entenda, a seguir, como e por que ocorreu essa nova escalada na disputa, e quais os atores envolvidos.
Rebeldes da Síria dizem ter tomado base militar do exército próximo a Hama
Qual é o principal grupo insurgente contra Bashar al-Assad
Insurgentes liderados pelo grupo jihadista Hayat Tahrir al-Sham lançaram o ataque a Aleppo na semana passada e se moveram para o interior ao redor de Idlib e da província vizinha de Hama. Os militares sírios apressaram reforços e lançaram ataques aéreos.
Os EUA e a ONU há muito tempo designaram a força que lidera o ataque em Aleppo — Hayat Tahrir al-Sham, conhecida por suas iniciais HTS — como uma organização terrorista.
Seu principal nome, Abu Mohammed al-Golani, surgiu como chefe do braço sírio da Al-Qaeda em 2011, nos primeiros meses da guerra da Síria. A entrada do grupo terrorista marcou um ponto de virada no conflito, que havia se iniciado com protestos pacíficos, reprimidos brutalmente pelo regime de Assad.
Golani e seu grupo logo no início assumiram a responsabilidade por atentados terroristas, prometeram atacar forças ocidentais, confiscaram propriedades de minorias religiosas e instituíram uma polícia religiosa para as áreas sob seu controle.
Nos últimos anos, o HTS buscou se reeguer, concentrando-se em promover um governo civil em seu território, bem como a ação militar, observou o pesquisador Aaron Zelin. O grupo rompeu laços com a Al-Qaeda em 2016.
Golani reprimiu alguns grupos extremistas em seu território e cada vez mais se retrata como um protetor de outras religiões. Isso inclui, no ano passado, permitir a primeira missa cristã na cidade de Idlib em anos.
Em 2018, o governo Trump reconheceu que não estava mais mirando diretamente em Golani, disse Zelin. Mas o HTS permitiu que alguns grupos armados procurados continuassem a operar em seu território e atirou em forças especiais dos EUA pelo menos até 2022, disse ele.
Quem são os outros atores na guerra civil síria
- Bashar al-Assad: Ditador sírio desde 2000, quando sucedeu seu pai, Hafez a-Assad, após a morte deste. Sua família é alauíta, grupo muçulmano xiita. Ele governa de forma laica com o apoio da ditadura teocrática do Irã e é aliado do grupo extremista libanês Hezbollah, também xiitas. Seu principal aliado internacional é a Rússia, cuja Força Aérea realizou diversos ataques a posições rebeldes durante o auge da guerra civil, até 2015.
- Hezbollah: partido libanês xiita, aliado do Irã que luta principalmente contra Israel. Na guerra civil síria, porém, o grupo extremista engajou seu braço militar nos combates ao lado do regime de Assad. Agora, novamente, um destacamento foi para Homs lutar contra os rebeldes do HTS.
- Estado Islâmico: O grupo terrorista declarou em 2014 um califado que tomou partes da Síria e do Iraque. O ramo da Síria e do Iraque do Estado Islâmico não controla mais nenhum território e não é conhecido por desempenhar um papel na luta atual. Mas ainda é uma força letal operando por meio de células adormecidas nos dois países.
- EUA e Israel: Tanto os EUA quanto Israel conduzem ataques ocasionais na Síria contra forças do governo e milícias aliadas ao Irã. Os EUA têm cerca de 900 militares no nordeste da Síria, longe de Aleppo, para se proteger contra um ressurgimento do Estado Islâmico.
- Turquia: A Turquia também tem forças na Síria e tem influência com a ampla aliança de forças de oposição que invadem Aleppo.
- Curdos: Uma força militar curda conhecida como Forças Democráticas Sírias (FDS) controla territórios no nordeste do país, na fronteira com a Turquia e o Iraque. Embora aliadas aos EUA, eles têm laços com o grupo do Curdistão turco PKK, considerado uma organização terrorista pelo Ocidente. Recentemente, eles reivindicaram a tomada da cidade de Deir al-Zor, no leste, às margens do rio Eufrates.
Por que o conflito recomeçou
Cabeça de estátua de Hafez al-Assad, ex-presidente da Síria e pai do atual presidente Bashar, é rebocada por caminhão em Hama, cidade tomada por rebeldes, em 6 de dezembro de 2024. — Foto: Muhammad Haj Kadour/AFP
Para o diplomata Robert Ford, que foi último embaixador dos EUA na Síria antes de os dois países cortarem relações, três fatores deram aos rebeldes a possibilidade de avançar no conflito sírio:
- Os ataques que Israel vêm fazendo há meses contra alvos do Hezbollah na Síria — o grupo extremista, apesar de ser do Líbano, também atua em conflitos do Oriente Médio ao lado de aliados, como, neste caso, Bashar al-Asad;
- O cessar-fogo firmado por Israel e o Hezbollah no Líbano na semana passada;
- A Rússia, principal apoiadora internacional de Assad, também está preocupada com sua guerra na Ucrânia.
Por que a tomada de Aleppo é tão importante
No sábado, o exército sírio admitiu ter perdido o controlo de grande parte da cidade de Aleppo. — Foto: Getty Images
Na encruzilhada de rotas comerciais e impérios por milhares de anos, Aleppo é um dos centros de comércio e cultura do Oriente Médio.
A cidade era o lar de 2,3 milhões de pessoas antes da guerra. Rebeldes tomaram em 2012 o lado leste de Aleppo, que se tornou um símbolo do avanço das facções armadas da oposição.
Em 2016, forças governamentais apoiadas por ataques aéreos russos sitiaram a cidade. Projéteis russos, mísseis e bombas de barril cruas — latas de combustível ou outros contêineres carregados com explosivos e metal — arrasaram diversos bairros.
Famintos e sitiados, os rebeldes renderam Aleppo naquele ano.
A entrada dos militares russos foi o ponto de virada na guerra, permitindo que Assad permanecesse no território que ele controlava.
Neste ano, ataques aéreos israelenses em Aleppo atingiram depósitos de armas do Hezbollah e forças sírias, entre outros alvos, de acordo com um grupo de monitoramento independente. Israel raramente reconhece ataques em Aleppo e outras áreas controladas pelo governo na Síria.