Foi-se o tempo em que cavaleiros se interessavam por princesas, e “Donzela” o prova. O filme de Juan Carlos Fresnadillo sustenta até o fim o perigoso argumento, com direito a sequências e mais sequências decoradas com computação gráfica de ponta, onde um dragão cospe labaredas quilométricas sobre guerreiros um tanto encurralados, e uma garota virginal como a aurora de uma manhã de outono racha lenha num reino distante.
O roteiro de Dan Mazeau investe na contradição entre a imagem de uma jovem soberana e a rotina de trabalhos braçais, explicando (quase) tudo com cenas em que Elodie, a herdeira de um trono caído em desgraça, e sua irmã, Floria, acusam o golpe e submetem-se a crescentes humilhações para se manterem vivas, entre as quais trocar pratarias e cristais por comida, num movimento desonroso pela sobrevivência.
Fresnadillo brinca com muitos dos chavões das histórias de moçoilas castas à espera de seu viril redentor, até que começa a subverter tudo, contando com uma protagonista fascinante, categórica na pele da salvadora de si mesma.
O diretor engana a audiência com falsas perspectivas de uma nova era de opulência e romance para Elodie. Seu pai, o lord Bayford de Ray Winstone, passara os últimos dias empenhando-se em negociações um tanto sinistras que garantiriam um futuro menos nebuloso para a garota mediante o casamento com o príncipe Henry, o primeiro na linha de sucessão de uma terra próspera, para onde Elodie tem de se deslocar de navio, a tempo de tomar pé de suas novas obrigações como monarca consorte, honrando seus planos de vir a ser uma mulher poderosa, respeitada e ciente das agruras de seus patrícios.
Nesse primeiro com a personagem, Millie Bobby Brown alimenta as ilusões do espectador, fazendo com que a mocinha demonstre toda o seu reconhecimento à família de Henry, de Nick Robinson, com quem comporia um lindo par romântico, não fosse a reviravolta que o texto de Mazeau cozinha em fogo baixo.
Antes, Fresnadillo elabora a relação de Elodie com Floria e a madrasta, lady Bayford, com Brooke Carter e Angela Bassett em atuações quase inócuas, mais desta que da novata, que se diga. Quando resolve virar a chave e desvendar o mistério, Elodie surge já casada, mas presa numa caverna, aguardando pelo estranho ritual que justifica a trama. Nesse segmento se dá um verdadeiro espetáculo de cores, brilho e texturas, liderado pelo design de produção de Patrick Tatopoulos e os deslumbrantes figurinos de Amanda Monk; essas minudências à primeira vista supérfluas deixam ainda saborosa essa mistura de “Cinderela” (1697), o conto de fadas de Charles Perrault (1628-1703), com “Bela Vingança” (2020), de Emerald Fennell, num manifesto genuinamente schopenhaueriano acerca da perdição humana.
Filme: Donzela
Direção: Juan Carlos Fresnadillo
Ano: 2024
Gêneros: Fantasia/Aventura
Nota: 8/10