Uma gravação obtida pela Polícia Federal no celular do general Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência da República, mostra que o militar sugeriu ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) devolver o general Walter Braga Netto ao comando do Ministério da Defesa, em meio à tentativa de golpe de Estado no fim de 2022.
A gravação, de 10 de novembro, é parte da investigação da PF sobre a conspiração para manter Bolsonaro no poder após a derrota para Lula (PT). A corporação indiciou o ex-presidente, Fernandes, Braga Netto e mais 34 pessoas sob suspeita dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
O interlocutor da conversa registrada é Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, a quem Fernandes se referia como “Caveira”. À época, o ministro da Defesa era o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-comandante do Exército.
Diz Mário Fernandes no áudio: “Sugeri ao presidente até, porra, ele pensar em mudar de novo o MD [Ministério da Defesa], porra. Bota de novo o general Braga Netto lá. General Braga Netto tá indignado, porra, ele vai ter um apoio mais efetivo. Reestrutura de novo, porra. Ah, não, porra, ‘aí vão alegar que eu tô mudando isso pra dar um golpe’. Porra, negão. Qualquer solução, Caveira, tu sabe que ela não vai acontecer sem quebrar ovos, né, sem quebrar cristais. Então, meu amigo, partir pra cima, apoio popular é o que não falta”.
Após ser indiciado, Braga Netto afirmou nas redes sociais que “nunca se tratou de golpe e muito menos de plano de assassinar alguém”.
Na terça-feira 19, dois dias antes de formalizar os indiciamentos, a PF deflagrou a Operação Contragolpe, que reconduziu Braga Netto ao centro da trama de 2022.
Os militares presos na ação projetavam a criação de um “gabinete de crise” após executarem o então presidente eleito Lula (PT), seu vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
O comando do grupo ficaria a cargo do então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o general da reserva Augusto Heleno, e de Braga Netto. Subordinados a eles estariam, entre outros, Mário Fernandes e Filipe Martins, à época assessor do governo Bolsonaro.
A PF prendeu na terça-feira quatro militares do Exército ligados às forças especiais, os chamados “kids pretos”: Fernandes, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira. Outro preso é o policial federal Wladimir Matos Soares.
Os militares detidos discutiram os planos de assassinato na casa de Braga Netto, em 12 de novembro de 2022, segundo o relatório enviado pela PF a Moraes. Além do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, estariam no imóvel naquele momento o tenente-coronel Mauro Cid, braço direito de Bolsonaro, Rafael e Helio.
Após esse encontro é que teria começado o monitoramento de Moraes, a fim de prendê-lo ou matá-lo. Os investigadores classificam 15 de dezembro de 2022 como o “ápice” do plano: seria nessa data que ocorreriam a prisão e/ou a execução de Moraes.
A PF situa Walter Braga Netto como integrante do chamado Núcleo de Oficiais de Alta Patente com Influência e Apoio de Outros Núcleos. Eis o modus operandi: “Utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado”.
A menção ao ex-candidato a vice de Bolsonaro na investigação sobre a tentativa de golpe não é inédita. Em 8 de fevereiro, quando a PF lançou a Operação Tempus Veritatis, veio à tona a informação de que o general chamou de “cagão” o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, por não aderir à conspiração.
Aquela ofensiva de Braga Netto também mirou o comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, a quem se referiu como um “traidor da pátria”.
O diálogo foi com o ex-capitão do Exército Ailton Barros, investigado por incitar golpe de Estado em contato com Mauro Cid.
Segundo a PF, as conversas de WhatsApp, extraídas do celular de Barros, “evidenciaram a participação e adesão do investigado Walter Souza Braga Netto na tentativa de golpe de Estado, com forte atuação inclusive nas providências voltadas à incitação contra os membros das Forças Armadas que não estavam coadunadas aos intentos golpistas, por respeitarem a Constituição Federal”.
Desde a derrota para Lula e Alckmin em 2022, Braga Netto vive uma situação delicada não apenas na seara criminal, mas na eleitoral: em novembro de 2023, o TSE o declarou inelegível por oito anos por por abuso de poder nas cerimônias do 7 de Setembro de 2022.