A publicação comprava e “matava” histórias negativas contra o ex-presidente, segundo a Promotoria, a quem cabe fazer a acusação. O caso se deu antes da campanha presidencial de 2016, vencida por Trump.
O ex-presidente, candidato à Casa Branca novamente neste ano, é acusado de fraude eleitoral nas eleições de 2016 ao tentar esconder do público os encontros sexuais que ele supostamente teve com Stormy Daniels durante a campanha presidencial daquele ano. A defesa de Trump disse que ele não cometeu nenhum crime.
Este é o primeiro julgamento criminal em que um ex-presidente dos EUA é réu. Trump é acusado de falsificar registros comerciais para encobrir um pagamento de US$ 130 mil à estrela pornô Stormy Daniels em 2016 para manter em segredo um encontro sexual que ela afirma terem tido 10 anos antes. Trump se declarou inocente e nega que o encontro tenha ocorrido. (Leia mais sobre o caso abaixo).
O promotor Matthew Colangelo afirma que houve uma “conspiração planejada, coordenada e de longa duração para influenciar as eleições de 2016, para ajudar Trump a ser eleito por meio de despesas ilegais para silenciar pessoas que tinham algo ruim a dizer sobre seu comportamento. Foi fraude eleitoral, pura e simples”.
A primeira testemunha foi justamente um ex-executivo do tabloide sensacionalista “National Enquirer”, David Pecker. O depoimento dele será retomado nesta terça.
No primeiro dia de depoimento, Pecker falou sobre como funciona o negócio: o “National Enquirer” pagava por reportagens com frequência, e ele precisava autorizar todos os pagamentos acima de US$ 10 mil (R$ 51.673).
Os promotores afirmam que em 2016, durante as eleições presidenciais, Pecker participou de um esquema para “pegar e matar” histórias que poderiam prejudicar Donald Trump.
Ou seja: o jornal pagava dinheiro para obter exclusividade sobre pessoas que tinham histórias negativas contra Trump. Essas pessoas assinavam um contrato com a “National Enquirer”. Como a publicação tinha um acordo para proteger Trump, as histórias nunca foram publicadas.
Segundo os promotores, o diretor Pecker se reuniu em 2015 com Trump e o advogado dele da época, Michael Cohen. Nesse encontro ficou estabelecido que o jornalista seria “os olhos e ouvidos” da campanha para descobrir histórias negativas que pudessem prejudicar o candidato eleitoralmente.
“Pecker não estava agindo como um publisher, ele estava agindo como um conspirador”, afirmou o promotor. Apesar dessa fala, o jornalista não foi acusado de nenhum crime.
O esquema veio à tona na imprensa americana em 2018.
Histórias enterradas
O “National Enquirer” pertence a uma empresa chamada American Media.
Em 2018, dois anos após a eleição de Trump, a companhia admitiu que pagou dinheiro para “pegar e matar” duas histórias negativas:
- Entre 2006 e 2007, Trump teria tido um caso extraconjugal durante meses com Karen McDougal, uma ex-modelo da revista Playboy. A American Media pagou US$ 150 mil a ela para obter a exclusividade da história e nunca publicou nenhuma reportagem sobre o tema.
- Um porteiro de um prédio queria contar que Trump teve um filho fora do casamento —essa história era uma mentira do porteiro, mas mesmo assim o “National Enquirer” pagou U$ 30 mil para obter a exclusividade da entrevista e nunca publicou nenhum texto sobre o assunto.
Trump afirmou que esses pagamentos foram pessoais e não violam nenhuma lei. Ele também nega que teve uma relação extraconjugal com Karen McDougal.
Donald Trump em 22 de abril de 2023 — Foto: Victor J. Blue/Reuters
Processo criminal
Este é o primeiro dos quatro julgamentos criminais nos quais Trump é réu. Neste processo, ele é acusado de esconder contabilmente os pagamentos que fez à atriz pornô Stormy Daniels, algo que teria acontecido em 2016, quando venceu as eleições presidenciais.
Na segunda-feira, o júri, composto por 12 pessoas, começou a ouvir os argumentos dos promotores que apresentaram a denúncia contra Trump, que foi ao tribunal para participar da sessão.
Os promotores descreveram o pagamento de Trump à Stormy Daniels como um esquema criminoso para enganar os eleitores em um momento em que Trump enfrentava outras acusações de comportamento sexual grosseiro.
Colangelo disse ao júri que eles ouviriam Trump discutindo os detalhes do esquema em conversas gravadas e veriam um extenso rastro de papel para apoiar o testemunho das testemunhas.
O advogado de Trump disse ao júri que o ex-presidente não cometeu nenhum crime e disse que o promotor do distrito de Manhattan, Alvin Bragg, não deveria ter trazido o caso.
“Não há nada de errado em tentar influenciar uma eleição. É chamado de democracia. Eles colocaram algo sinistro nesta ideia, como se fosse um crime”, disse o advogado de Trump, Todd Blanche.
Na entrada do tribunal, em Manhattan, em Nova York, o ex-presidente afirmou que o caso é “claramente uma interferência eleitoral” — Trump é candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano.
Também na sessão, dois membros do júri expressaram ao juiz preocupação com segurança pessoal e ameaças, além de dúvidas sobre se permanecerão no caso.
Na última sexta-feira (19), o juiz que presidente o processo, Juan Marchan, conseguiu completar a formação do corpo de jurados —além dos 12 titulares do júri, foram escolhidos também 6 suplentes.
O juiz demorou quatro dias para selecionar os 18 entre cerca de 200 candidatos. Houve uma dificuldade inesperada na reta final da seleção: duas mulheres que haviam sido pré-selecionadas começaram a chorar no interrogatório final e foram trocadas.
A expectativa é que o julgamento dure cerca de seis semanas.
Caso da atriz pornô: entenda julgamento que pode levar Trump à prisão
Entenda o caso
No total, são 34 acusações, cada uma delas punível com até 4 anos de prisão (veja mais abaixo perguntas e respostas sobre o caso). Donald Trump declarou-se inocente e afirma que ele é vítima de uma “caça às bruxas” dos democratas para impedi-lo de voltar à Casa Branca.
Ele é o único pré-candidato do Partido Republicano nas eleições presidenciais e disputará com Joe Biden, atual presidente dos EUA, do Partido Democrata. As eleições ocorrem em 5 de novembro.
A acusação
Montagem mostra Stormy Daniels e Donald Trump — Foto: Ethan Miller, Olivier Douliery/AFP
Segundo a acusação, o republicano pagou US$ 130 mil (R$ 660 mil na cotação atual) na reta final da campanha presidencial de 2016 à ex-atriz pornô Stormy Daniels para que ela se mantivesse em silêncio sobre uma relação sexual extraconjugal que os dois tiveram em 2006 (Trump sempre negou que tenha tido um caso com Stormy Daniels).
Essas ações em si não são crimes, mas a promotoria afirma que Trump maquiou esse pagamento como se fosse um desembolso ao seu advogado. Ou seja, o ex-presidente está sendo julgado por esconder esse valor nos registros fiscais.
A promotoria afirma que esse dinheiro, na verdade, era uma despesa de campanha, já que o propósito final do pagamento era impedir que uma informação que pudesse atrapalhá-lo na reta final nas eleições de 2016. Portanto, para a acusação, Trump escondeu um gasto de campanha e deve ser julgado também por isso.
Quem fez o pagamento foi Michael Cohen, então advogado pessoal de Trump —e hoje adversário dele.
Como havia um grupo de pessoas envolvidas no esquema, também há acusação de conspiração.
Foi “uma conspiração para fraudar a eleição presidencial e mentir em documentos comerciais para encobri-la”, segundo o promotor distrital de Manhattan, Alvin Bragg. Em Nova York, os promotores são eleitos para o cargo; ele é do Partido Democrata, adversário de Trump.
A defesa afirma que Trump fez os pagamentos porque estava sendo extorquido.
A acusação, no entanto, diz que essa era uma prática recorrente de Trump, já que ele usou esse mesmo esquema outras duas vezes —para pagar um porteiro e uma outra mulher com quem ele teria tido uma relação.
Para os promotores, os eleitores americanos foram enganados quando venceu as eleições presidenciais de 2016 contra Hillary Clinton.
Donald Trump no banco dos réus no primeiro dia de julgamento pela acusação de ocultar pagamentos a ex-atriz pornô durante a campanha de 2016, em 15 de abril de 2024. — Foto: Angela Weiss/Pool via Reuters