No Japão, uma em cada 10 pessoas tem 80 anos ou mais. E o índice de habitantes com 65 anos ou mais (29,1%) é o mais alto do mundo.
Mas estes números são apenas a ponta do iceberg – os indícios de uma profunda crise nacional.
“O envelhecimento da população japonesa, que os meios de comunicação costumam definir como uma ‘bomba-relógio’, representa um grave e urgente desafio”, afirmou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, a professora Hiroko Costantini, do Instituto de Iniciativas para o Futuro do Instituto de Gerontologia da Universidade de Tóquio, no Japão.
Segundo a professora, “em 2021, o Japão registrou o menor nível histórico da sua taxa de natalidade, com apenas 811 mil nascimentos – o nível mais baixo desde 1899”.
A taxa de nascimentos por mulher no Japão está muito abaixo dos 2,1 considerados necessários para manter uma população estável. No Peru, por exemplo, este número é de 2,1; na Argentina, de 1,9; e, no Brasil, cerca de 1,6.
“A taxa de natalidade atual do Japão é de apenas 1,26 e o índice de envelhecimento da população disparou para 29,0%”, afirma Costantini, “o que indica uma mudança demográfica sem precedentes.”
O governo japonês tem procurado aumentar a taxa de natalidade com incentivos econômicos, sem sucesso.
E o que outros países podem aprender com essa crise, incluindo os latino-americanos?
Impacto econômico
O envelhecimento da população japonesa tem profundas implicações, segundo Costantini. Suas consequências vão da escassez de mão de obra até a queda do crescimento econômico.
O Japão aprovou um orçamento recorde para o próximo ano fiscal, em parte, devido ao aumento dos custos da previdência social.
“Ao longo dos anos, a taxa de envelhecimento do Japão aumentou significativamente, o que contribuiu para a estagnação econômica desde meados dos anos 1990”, segundo a professora.
“Além disso, o delicado equilíbrio entre as prestações e as contribuições para a previdência social, particularmente os gastos com assistência médica e atendimento de longo prazo, está se tornando cada vez mais precário. Estão surgindo dúvidas sobre a viabilidade do sistema de previdência social a longo prazo, com os gastos cada vez maiores com a assistência médica às pessoas mais idosas”, explica Costantini.
“As soluções futuras podem exigir consideráveis reduções de benefícios e reformas das pensões, incluindo o aumento da idade de aposentadoria para 70 anos, a fim de abordar esta questão multifacetária de forma eficaz.”
‘Casar-se antes de ter filhos’
Para Costantini, os incentivos governamentais para promover o aumento da taxa de natalidade tiveram sucesso limitado.
A professora destacou que, embora o alto custo de vida seja um fator que desencoraja algumas pessoas de terem filhos, o problema ultrapassa as preocupações financeiras.
“A sociedade japonesa dá importância significativa ao casamento antes de ter filhos”, segundo ela, “o que leva muitos casais a priorizar a procura do parceiro adequado antes de formarem família.”
“Pesquisas com mulheres solteiras entre 20 e 40 anos revelam diversas razões comuns para retardar ou renunciar ao casamento, que incluem a ‘falta de oportunidades para conhecer possíveis parceiros’, ‘o desejo de manter o estilo de vida atual’ e ‘priorizar a realização pessoal’.”
“Além disso, a dependência social da família para assistência às pessoas idosas no Japão levou algumas mulheres a considerar a possível responsabilidade que elas poderiam representar para seus filhos no futuro”, afirma a professora.
Com tantos fatores complexos, combater a redução da taxa de natalidade no Japão exige uma abordagem integral, segundo a especialista.
“Ela pode incluir políticas de redução dos encargos com assistência para as famílias e o oferecimento de incentivos financeiros, como salários para cuidadores familiares, a fim de criar um ambiente mais propício para a criação dos filhos.”
A imigração pode ser a resposta?
Outros países com baixas taxas de natalidade, como a Austrália e a Alemanha, optaram por facilitar a entrada de estrangeiros.
A taxa de fertilidade da Austrália, por exemplo, é de 1,58, mas a sua população está crescendo graças à imigração.
Por que o Japão não escolheu um caminho similar?
“Historicamente, o Japão manteve uma posição passiva com respeito à imigração, que consiste em receber trabalhadores estrangeiros em vez de incentivar ativamente a imigração”, explica Costantini.
O resultado é que apenas cerca de 1,7% da população japonesa (ou cerca de 2,2 milhões de pessoas) é formada por pessoas nascidas no exterior ou cidadãos estrangeiros, segundo ela.
“Este enfoque pode ser atribuído ao forte desejo japonês de preservar sua homogeneidade étnica. A relativa homogeneidade étnica do Japão costuma ser considerada um fator que colabora para a baixa incidência de conflitos abertos dentro da sociedade.”
“Para o governo, esta homogeneidade serve de ferramenta política valiosa para a unidade e a coesão nacional”, explica a professora.
A imigração poderia ser uma resposta parcial à falta de trabalhadores, mas o Japão pode priorizar o aumento da participação de mulheres e idosos no mercado de trabalho, segundo Costantini.
“Considera-se que esta estratégia pode oferecer efeitos mais imediatos e substanciais, de forma alinhada ao contexto cultural e histórico do país”, afirma a professora.
O papel das mulheres
Para Costantini, atrair mais mulheres para o mercado de trabalho com políticas favoráveis, como licenças-maternidade generosas, é uma parte fundamental da solução para a crise japonesa.
Algumas empresas já adotaram este tipo de medidas. Mas a pesquisadora esclarece que “a questão do emprego feminino vai além das baixas taxas de participação no mercado de trabalho”.
“No Japão, aplica-se um incentivo fiscal para as pessoas com renda anual de menos de 1,03 milhão de ienes (cerca de US$ 7 mil ou R$ 35 mil). Isso faz com que uma quantidade considerável de mulheres tenha empregos não regulares – em meio período, por exemplo. Também é fundamental abordar esta situação.”
Por outro lado, as mudanças políticas, por si só, são insuficientes, segundo a professora.
“É essencial mudar a mentalidade dos chefes e supervisores, especialmente dos homens de 50 a 60 anos, que talvez não tenham participado ativamente da criação dos filhos e subestimem sua importância.”
“Além disso, é preciso desenvolver políticas para apoiar as mulheres de 40 anos ou mais, que criaram seus filhos em uma época em que o apoio para a criação dos filhos era escasso. Por isso, elas interromperam suas carreiras e agora precisam de ajuda para formar modelos profissionais viáveis.”
A política dos três filhos
Costantini acredita que o Japão poderia aprender com as medidas adotadas particularmente na França. “Durante minha estada em Paris, observei diversos casos de mulheres que conseguiram equilibrar as necessidades da criação de três filhos e dar continuidade às suas carreiras.”
“Na França, por exemplo, as famílias com crianças recebem, a partir do terceiro filho, benefícios consideráveis no imposto de renda, além de redução dos custos da merenda escolar e assistência às crianças fora do horário de trabalho nas escolas públicas.”
“Além disso, as famílias com três filhos ou mais têm acesso a uma série de outros benefícios, incluindo uma redução de 50% de quase todos os custos de transporte público e diversas outras regalias”, segundo a professora.
Costantini destaca que é fundamental reconhecer que nem todas as mulheres que desejam ser mães podem ter filhos e que é totalmente válido que algumas mulheres decidam não ser mães.
“Mas, para aquelas mulheres que desejam ter filhos, fomentar uma norma cultural que incentive as famílias a terem três filhos e implementar políticas de apoio são considerações fundamentais.”
Problema mundial
O Japão é um caso extremo, mas muitos outros países apresentam tendências similares.
Depois do Japão, os países atualmente com maior índice de pessoas com 65 anos de idade ou mais são a Itália, com 24,5%, e a Finlândia, com 23,6%.
E os percentuais aumentarão significativamente até 2050, segundo a ONU. Hong Kong e a Coreia do Sul irão superar o Japão, com cerca de 40% de pessoas com 65 anos ou mais. A Espanha irá ocupar o quinto lugar, com mais de 36%.
“Em maior ou menor medida, a população de todos os países do mundo vive até idades mais avançadas e as mulheres e os casais estão tendo menos filhos. Portanto, o envelhecimento demográfico é um fenômeno mundial”, afirma Jorge Bravo, especialista da Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (DESA, na sigla em inglês).
Bravo é um dos autores do Relatório Social Mundial 2023 da ONU, intitulado “Que ninguém fique para trás em um mundo que envelhece”.
O relatório calcula que o número de pessoas com 65 anos ou mais em todo o mundo dobre nas próximas três décadas. Serão 1,6 bilhão de pessoas em 2050, quando os idosos representarão mais de 16% da população mundial.
“O Japão, há décadas, é o país demograficamente mais envelhecido do mundo, mas muitos países da Europa, além de diversas nações da Ásia e das Américas, também detêm alto percentual da sua população na faixa de 65 anos ou mais”, destaca Bravo.
Nesta transição para sociedades mais envelhecidas, alguns países estão mais avançados do que outros. A América Latina, segundo o relatório da ONU, encontra-se em uma fase intermediária.
“A América Latina tem níveis de fecundidade e mortalidade próximos da média mundial”, afirma Bravo. “Por isso, o seu grau de envelhecimento, medido segundo a proporção de pessoas com 65 anos ou mais entre o total da população, é atualmente de 9,5%, muito próximo da média mundial de 10%.”
“Esta proporção se encontra em um nível intermediário entre os maiores índices do mundo (mais de 20% no Japão, na Coreia do Sul e em muitos países europeus) e os menores níveis da África subsaariana e partes da Ásia.”
Como se preparar para o envelhecimento
Entre as medidas a serem adotadas, o especialista da ONU inclui as seguintes:
a) ampliar a base de contribuição dos sistemas de previdência social, ajustando a idade de aposentadoria proporcionalmente ao aumento da expectativa de vida;
b) investir em melhorar as condições de saúde ao longo da vida, sem se concentrar apenas em intervenções curativas;
c) ampliar as oportunidades de emprego para as mulheres, que ainda enfrentam consideráveis desvantagens no mercado de trabalho em relação aos homens; e
d) implementar medidas para facilitar a compatibilidade entre o trabalho e a criação dos filhos, com mais igualdade de gênero – ou seja, maior equilíbrio entre as mulheres e os homens no trabalho, dentro e fora de casa.
Bravo cita os exemplos positivos de “países nórdicos e outros países europeus, que adotaram políticas mais generosas de apoio aos pais para que eles possam equilibrar a vida familiar e profissional.”
Estas políticas, segundo ele, “incluem programas para facilitar o emprego, licenças-maternidade e paternidade, horários de trabalho flexíveis, créditos fiscais e subsídios substanciais para assistência às crianças.”
O especialista da ONU menciona particularmente o exemplo da reforma do sistema de aposentadorias da Suécia.
Aquele país “introduziu, nos anos 1990, um sistema de distribuição de contas virtuais, no qual as aposentadorias são concedidas proporcionalmente às contribuições individuais realizadas durante a vida profissional, ajustadas ao nível de expectativa de vida de cada grupo de aposentados”.
A América Latina também enfrenta o desafio de combater a desigualdade entre as pessoas desde o início da vida, para evitar o aprofundamento desse desequilíbrio, com muitas pessoas idosas vivendo na pobreza.
Outro elemento importante, segundo Bravo, é a promoção da educação contínua.
“A educação ao longo da vida, desde a idade pré-escolar até a capacitação contínua durante a vida profissional, é fundamental – especialmente nas sociedades modernas, caracterizadas pelo envelhecimento demográfico progressivo e pelo rápido progresso técnico e científico, que exige constante atualização de conhecimentos e habilidades, ao mesmo tempo em que permite que muitas pessoas trabalhem até idade avançada”, destaca o especialista da ONU.
“Entre os programas que tiveram certo grau de sucesso e podem ser de interesse geral, está, em primeiro lugar, o programa de capacitação e formação profissional do Instituto Nacional de Aprendizado da Costa Rica. Seu objetivo é melhorar as condições de trabalho de pessoas de diferentes idades que procuram emprego, ou que já trabalham em diferentes setores da economia, compatibilizando essa formação com as necessidades das empresas de produção e de serviços.”
Encargos e oportunidades
O relatório das Nações Unidas indica que o envelhecimento da população não é apenas um desafio, mas também uma oportunidade para o bem-estar pessoal e o desenvolvimento socioeconômico.
Bravo ressalta que o envelhecimento demográfico é produzido por duas tendências altamente positivas para a humanidade. Uma delas é a melhoria das condições de saúde e sobrevivência até idades cada vez mais avançadas; a outra é a ampliação do exercício dos direitos reprodutivos, para que as pessoas possam decidir quando devem ser pais e quantos filhos devem ter.
O especialista acrescenta que a fase intermediária do processo de envelhecimento, que atravessam atualmente os países latino-americanos, pode durar várias décadas. E essa fase produz os chamados “dividendos demográficos”.
Em outras palavras, quando o número de pessoas jovens aumenta e a fecundidade se reduz, o país pode se beneficiar desse aumento da população ativa em relação ao número de pessoas com necessidade de assistência. E, nesta fase, é possível liberar recursos para investimentos em capital físico ou humano.
Bravo destaca que, se os governos adotarem políticas de ampliação dos investimentos e das oportunidades de trabalho digno para homens e mulheres de todas as idades, “pode-se reduzir as desigualdades socioeconômicas e potencializar o impulso inicial do dividendo demográfico”.
Em nível global, o envelhecimento da população “em grande parte, é irreversível”, segundo o relatório das Nações Unidas. Mas os seus impactos irão depender das ações tomadas pelos governos neste momento.
A ONU destaca que, com planejamento adequado, os países podem enfrentar os desafios do envelhecimento e, ao mesmo tempo, melhorar as oportunidades de prosperidade para os seus habitantes.
Mas postergar as medidas necessárias para adaptar-se ao envelhecimento da população “irá impor altos custos econômicos e prejuízos à saúde das gerações atuais e futuras”.