Em entrevista coletiva, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que o “acordo com Mercosul é vitória para Europa”.
“Este é um acordo ganha-ganha, que trará benefícios significativos para consumidores e empresas, de ambos os lados. Estamos focados na justiça e no benefício mútuo. Ouvimos as preocupações de nossos agricultores e agimos de acordo com elas. Este acordo inclui salvaguardas robustas para proteger seus meios de subsistência”, disse von der Leyen.
A presidente destacou que os padrões de saúde e alimentos da União Europeia permanecerão “intocáveis” e que os exportadores do Mercosul deverão cumpri-los “rigorosamente”.
“Esta é a realidade de um acordo que economizará 4 bilhões de euros em taxas de exportação por ano para empresas da União Europeia”.
As negociações — iniciadas em 1999 e paralisadas depois de um acordo alcançado em 2019 — foram retomadas nos últimos meses a pedido da Comissão Europeia, que determina a política comercial para toda a UE.
Apesar de um acerto inicial ter sido firmado há cinco anos, a medida não havia saído do papel desde então por pressão dos europeus. Parte dos países da UE, em especial a França, não é favorável a uma abertura de mercado que beneficie competidores do Mercosul.
Mas o sentimento generalizado da Comissão Europeia era de que a UE já havia negociado o suficiente e era a hora de dar o próximo passo.
A diretora-geral de Comércio da Comissão Europeia, Sabine Weyand, declarou na terça-feira aos deputados europeus que a discussão prosseguia “a nível político”, sugerindo que a fase técnica das conversações teria chegado ao fim.
Nesta quinta, a viagem da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, ao Uruguai para participar das reuniões, reforçou a impressão de que o anúncio sairia. Ao chegar, ela disse que a conclusão do aguardado acordo comercial entre os dois blocos estava “à vista”.
Veja nesta reportagem o que se sabe sobre o acordo entre o Mercosul e a UE.
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O que é o acordo entre Mercosul e União Europeia?
O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia tem o objetivo de reduzir ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois blocos.
Estão previstos tratados em temas importantes, tais como:
- Cooperação política;
- Cooperação ambiental;
- Livre-comércio entre os dois blocos;
- Harmonização de normas sanitárias e fitossanitárias (que são voltadas para o controle de pragas e doenças);
- Proteção dos direitos de propriedade intelectual; e
- Abertura para compras governamentais.
As negociações começaram em 1999 e um termo foi assinado em 2019. Desde então, o texto passou por revisões e exigências adicionais, principalmente por parte da União Europeia, devido à pressão imposta por principalmente por agricultores dos países-membro.
Ele não vale apenas para produtos agrícolas, mas foi esse setor que protagonizou boa parte dos embates. Um dos receios dos produtores é de que o tratado torne os alimentos sul-americanos mais baratos na UE, reduzindo a competitividade das mercadorias europeias. (saiba mais abaixo)
Por que a finalização do acordo demorou?
Parte dos temas já havia sido resolvida em 2019, quando os dois blocos conseguiram alcançar um acordo inicial. O texto, no entanto, precisava passar por processos de validação, como a ratificação dos parlamentos de todos os países envolvidos. Foi aí que o acordo travou.
Agricultores europeus, principalmente os franceses, têm se manifestado contra a aprovação do acordo. A França é um dos maiores produtores agrícolas da UE e deve ser bastante prejudicada pelo acordo, já que a América do Sul tem grandes produtores de grãos e alimentos.
Os trabalhadores alegam que haveria uma concorrência desleal, já que, segundo eles, a produção desses alimentos no bloco sul-americano não está submetida aos mesmos requisitos ambientais e sociais, nem às mesmas normas sanitárias em caso de controles defeituosos que a europeia.
Na França, o agro tem grande relevância no cenário político, influenciando no posicionamento dos líderes, afirmou recentemente ao g1 Paulo Feldmann, professor de economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP).
Do lado sul-americano, o acordo também divide opiniões. Apesar do potencial de trazer benefícios para os países do Mercosul, a leitura de especialistas é que o bloco também pode sofrer com a concorrência vinda da Europa, nos setores industriais, químicos e automobilísticos.
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Quais eram as críticas ao acordo?
O acordo é apoiado pelos governos da Espanha e Alemanha, mas sofre oposição do presidente da França, Emmanuel Macron. Ele disse à presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, que o país não poderia aceitar o acordo em seu estado atual.
“Continuaremos a defender incansavelmente nossa soberania agrícola”, acrescentou a presidência francesa em uma publicação no X.
Em dezembro de 2023, em meio às discussões da COP 28, o presidente francês havia chamado a proposta de antiquada e “mal remendada”. Disse ainda que a versão discutida era contraditória com políticas e ambições ambientais do Brasil.
“E é justamente por isso que sou contra o acordo Mercosul-UE, porque acho que é um acordo completamente contraditório com o que ele [Lula] está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo […] Não leva em conta a biodiversidade e o clima dentro dele. É um acordo comercial antiquado que desmantela tarifas”, disse, na ocasião.
Como o Brasil pode ser beneficiado?
O Brasil seria o país mais beneficiado pelo livre comércio e entre União Europeia e Mercosul, segundo uma pesquisa do Ipea. Entre 2024 e 2040, o acordo provocaria um crescimento de 0,46% no PIB brasileiro, mais do que a União Europeia (0,06%) e os demais países do Mercosul (0,2%).
Ainda segundo o Ipea, o acordo aumentaria os investimentos vindos do exterior no Brasil em 1,49%, na comparação com o cenário sem a parceria.
Na balança comercial, o país teria um ganho de US$ 302,6 milhões, enquanto para o restante do Mercosul seria de US$ 169,2 milhões. Já a União Europeia teria uma queda de US$ 3,44 bilhões, com as reduções tarifárias e concessões de cotas de exportação previstas.
Considerando somente as exportações brasileiras, elas aumentariam continuamente no período até alcançarem um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões.
Ao g1, a leitura de especialistas é de que o acordo pode ter tanto efeitos positivos quanto relativamente negativos para o Brasil.
👍Efeitos positivos: a facilitação do comércio e a eliminação gradual das tarifas de importação para a maioria dos produtos comercializados entre os blocos tende a aumentar o acesso do Brasil ao mercado europeu.
Segundo Welber Barral, ex-secretário do comércio exterior e sócio-fundador da BMJ Consultores Associados, o acordo é bastante positivo tanto para a Europa quanto para os países do Mercosul nesse sentido, incluindo o Brasil.
“Os países do Mercosul vão ganhar mais acesso a um bloco que é um grande importador de alimentos. Isso sem contar que a Europa é um ‘mercado premium’, que tem uma exigência maior de qualidade e que também paga os melhores preços, principalmente nas importações agrícolas”, explica o especialista.
Na prática, isso poderia aumentar as oportunidades de exportação do Brasil para a Europa e possibilitar um aumento significativo de investimentos nas terras brasileiras, trazendo efeitos diretos no país.
Segundo o Ipea, a melhora nas exportações seria resultado de três possíveis efeitos:
- A queda das tarifas de importação na UE;
- O aumento das quantidades exportadas em alguns setores, em função das cotas de exportação concedidas pela UE; e
- A redução do custo doméstico de insumos e de bens de capital propiciado pela queda das tarifas no país, tornando os produtos brasileiros mais baratos e competitivos no mercado internacional.
Além disso, outras áreas abordadas pelo acordo também poderiam trazer benefícios para o Brasil, como a facilitação do acesso de empresas brasileiras a serviços europeus e da participação de pequenas e médias empresas aos benefícios do acordo, por exemplo.
👎Efeitos negativos: apesar do potencial de benefícios, a leitura dos especialistas é que setores específicos da economia devem sentir mais intensamente o impacto da concorrência europeia.
Enquanto o Brasil exporta muitas commodities e matérias primas para a Europa, as importações vindas dos países europeus são principalmente focadas em produtos manufaturados – o que pode pressionar a indústria brasileira.
“A indústria brasileira vai ter que analisar quais são as oportunidades e quais são os riscos”, diz Barral.
Os especialistas citam como problema, por exemplo, o alto custo de logística no país. “Alguns setores vão ter que enfrentar uma concorrência maior e devem precisar aumentar eficiência, digitalização e escala para enfrentar a competitividade europeia”, completa Barral.