Existem níveis diversos de ansiedade e estresse psicológico, e Sole Santoro, a protagonista de “100 Medos”, diz, com certo orgulho, que está no mais alto deles. A heroína do italiano Andrea Jublin sai das páginas de “Per Lanciarsi dalle Stelle” (“para lançar-se das estrelas”, em tradução literal), romance de autoajuda da patrícia Alice Urciuolo, publicado em 2018 e sem edição em português, ávida por conquistar o mundo, mas sem coragem de sair da cama, paradoxo que sustenta a personalidade indomável de uma mulher cativante.
Encarregada do roteiro, a própria autora destaca episódios de angústia de Sole que ganham o verniz da comédia, mas que, na verdade, atazanam uma moça com a vida pela frente, o que ela só percebe ao avaliar o que tem conseguido com suas fobias ao progresso dos vizinhos e amigos, que, claro, vão desistindo dela. É dessa forma que resolve colocar em prática a estratégia banal, mas efetiva, que justifica a história.
Sole talvez seja a garota mais popular de Bari, a capital da Apúlia, porém os muito mais de cem medos do título prendem-na num casulo de atrasos. Federica Torchetti, num papel tão intenso quanto sua personagem em “Garotos de Bem” (2021), de Stefano Mordini, ainda que diametralmente oposto, externa todas as inumeráveis fraquezas de uma jovem de 25 anos, num momento crítico de sua jornada, ainda curta, mas espantosamente penosa.
Ela tem uma fabulosa aptidão para o desenho, mas abandonou a escola de artes porque não suporta água, barcos, parques de diversões, bicicletas, viagens de avião e o vira-lata do vizinho, que nem late de tão dócil. Sole não toma mais os remédios, mas encara com bravura a terapia com o doutor Basile, de Fausto Maria Sciarappa, sentindo um desconforto que materializa no trabalho a lápis mostrado no desfecho. Enquanto isso, Jublin elabora o amor platônico e mal resolvido de sua personagem central, com Massimo, o melhor amigo, que veio de Roma em férias.
O diretor reserva o devido fechamento desse arco para a conclusão, momento em que Lorenzo Richelmy tem a justa oportunidade de dizer a que veio, numa disputa quase fraternal com Danio, de Cristiano Caccamo. Antes, Sole tem coisas muito mais urgentes com que se preocupar, como seguir com a fase prática do tratamento e superar de vez o pânico de tudo.
Para isso, elenca suas barreiras mais frequentes e guarda a lista num envelope vermelho para dar boa sorte, de acordo com o farto repertório de superstições locais. Dá certo, mesmo quando briga a sério com Emma, a amiga interpretada por Sara Mondello, que também saiu de Bari, para morar com o namorado Xavier, de Livio Kone. Essa decerto era a centelha que faltava para que a fogueira de seus desejos finalmente se acendesse e pulasse mesmo de estrela para a outra, emitindo luz própria.
Filme: 100 Medos
Direção: Andrea Jublin
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 8/10