Na primeira vez que Kenneth Eugene Smith esteve prestes a morrer, os funcionários responsáveis por sua execução tiveram horas para matá-lo.
Eles o amarraram a uma maca na chamada “câmara da morte” do Centro Correcional Holman, no Alabama, Estados Unidos, e tentaram injetar nele uma mistura letal de produtos químicos.
Com dificuldade de pegar uma veia — o que, segundo os advogados de Smith, o deixou com inúmeras incisões —, os funcionários não puderam concluir a tarefa quando o relógio bateu meia-noite e a sentença de morte determinada pelo Estado expirou.
Desta vez, o Estado autorizou um plano para sufocar Smith colocando uma máscara hermética sobre o seu rosto e forçando-o a inalar nitrogênio puro — um gás inerte que privaria o seu corpo de oxigênio.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou na semana passada que o método nunca antes utilizado pode ser o equivalente à tortura ou a outro tratamento cruel, desumano ou degradante, e pediu que o plano fosse abandonado.
Após um tribunal federal ter rejeitado um pedido de liminar dos advogados de Smith, ainda há um recurso pendente que pode mudar a decisão final. O cronograma atual prevê que o preso seja executado na quinta-feira (25).
Smith foi um dos dois homens condenados em 1989 pelo assassinato da esposa de um pastor, Elizabeth Sennett, que foi esfaqueada e espancada em um crime encomendado pelo valor de US$ 1 mil, nos valores da época, para cada matador de aluguel.
Smith é um dos poucos detentos da história recente dos EUA a ser levado duas vezes para execução e será possivelmente o primeiro a enfrentar a intoxicação com nitrogênio.
“Meu corpo está simplesmente ‘quebrando’, continuo perdendo peso”, disse Smith à BBC em resposta por escrito às perguntas que fizemos por um intermediário.
Encontros presenciais entre jornalistas e prisioneiros no corredor da morte são proibidos no Alabama. Falamos com Smith por telefone no final da semana passada, mas ele pediu para interromper a entrevista, pois disse estar se sentindo muito mal.
Smith é um dos poucos detentos da história recente dos EUA a ser levado duas vezes para execução e será possivelmente o primeiro a enfrentar a intoxicação com nitrogênio. — Foto: Alabam Department of Corrections via BBC
“Sinto náuseas o tempo todo. Os ataques de pânico acontecem regularmente… Isso é apenas uma pequena parte daquilo com que tenho lidado diariamente. Tortura, basicamente”, escreveu ele.
Ele pediu que o Alabama “pare [com a execução]”, “antes que seja tarde demais”.
O Estado afirma que a execução com nitrogênio causará inconsciência rapidamente, mas não apresentou nenhuma evidência plausível disso. Médicos e ativistas alertam sobre o risco de consequências catastróficas, que vão desde convulsões violentas até a sobrevivência em estado vegetativo.
Há até mesmo a possibilidade de que o gás vaze da máscara e mate outras pessoas na sala, incluindo o conselheiro espiritual de Smith.
“Tenho certeza de que Kenny não tem medo de morrer, ele deixou isso muito claro. Mas acho que ele tem medo de ser ainda mais torturado no processo“, diz o conselheiro, reverendo Jeff Hood. O conselheiro assinou um documento do Estado em que reconheceu os riscos de um vazamento de nitrogênio.
“Estarei a alguns metros dele e fui avisado repetidamente por vários médicos de que estou arriscando minha vida para fazer isso. Se houver algum tipo de vazamento na mangueira, na máscara, no selo em torno de seu rosto, certamente poderia haver vazamento de nitrogênio na sala”, afirma Hood à BBC.
Isso equivale a um nível de perigo intolerável, segundo disse um especialista que foi coautor de uma análise enviada à ONU. Joel Zivot, professor associado de anestesiologia na Faculdade de Medicina da Universidade Emory acusou as autoridades do Alabama de um histórico “terrível” de execuções “cruéis”.
“Acho que devo concluir que Kenneth Smith deve ser o pior homem da América, porque o Alabama está tão determinado a matá-lo que está disposto a matar outras pessoas para matá-lo“, diz Zivot à BBC.
“Imagine um pelotão de fuzilamento onde todas as testemunhas estão alinhadas ao lado da pessoa que você está prestes a executar. Você faz com que todas assinem termo de responsabilidade, porque seus atiradores não são muito bons, então é possível que atirem em você também”, exemplifica.
“O que sabemos sobre o gás nitrogênio é que, em um estudo inicial com voluntários saudáveis, quase todos eles, em cerca de 15 a 20 segundos de respiração, tiveram uma convulsão generalizada”, aponta Zivot.
Nesse cenário, Smith perderia a consciência antes de sofrer uma série de espasmos violentos.
O Alabama tem uma das maiores taxas de execução per capita dos EUA. Atualmente, há 165 pessoas no corredor da morte no Estado. Desde 2018, o Alabama foi responsável por três tentativas fracassadas de injeção letal, nas quais os presos condenados sobreviveram.
As falhas levaram a uma revisão interna que atribuiu em grande parte a culpa aos próprios detentos.
A revisão afirmou que os advogados tentam salvar as vidas dos detentos “esgotando o tempo” com apelos judiciais de última hora para que a execução seja suspensa.
Isso causaria uma “pressão desnecessária de prazo” nos funcionários responsáveis pela execução.
Desta vez, no caso de Smith, a equipe terá um “prazo” mais longo, em vez de um limite até meia-noite.
A governadora do Alabama, Kay Ivey, que tem o poder de impedir execuções, recusou-se a comentar as advertências dos especialistas e as acusações contra o Estado.
O gabinete do procurador-geral classificou os alertas da ONU como “tão infundados quanto os de Smith”.
Ele disse em um comunicado: “O tribunal de primeira instância examinou a contestação de Smith, ouviu vários especialistas médicos e determinou que as preocupações de Smith sobre a hipóxia por nitrogênio eram ‘especulativas’ e ‘teóricas'”.
Acrescentou: “Pretendemos prosseguir com a sua execução em 25 de janeiro”.
O parlamentar estadual republicano Reed Ingram, que votou a favor da autorização da execução com gás nitrogênio, também refutou as críticas da ONU.
“Acho que o processo [de execução] pode ser melhor do que o que ele fez à vítima”, disse Ingram.
“Nossa governadora é cristã. Ela debateu tudo isso e acha que está razoável. Tenho certeza de que isso pesa em sua mente, mas é a lei”, disse ele.
A BBC buscou a família de Elizabeth Sennett, que disse que não divulgaria qualquer posicionamento até quinta-feira.
Em 1996, um júri recomendou prisão perpétua sem liberdade condicional para Smith, mas o juiz rejeitou a recomendação e sentenciou o homem à morte.
No julgamento, Smith admitiu estar presente quando a vítima foi morta, mas disse que não participou dos golpes fatais.