A condição da mulher nas sociedades contemporâneas talvez seja o símbolo mais bem-acabado quanto a demonstrar na prática as transformações pelas quais passamos no último meio século. Se até meados dos anos 1970 ver uma mulher em cargos de chefia era como deparar-se com um marciano típico, verde e com antenas brilhantes, hoje não existe nada mais banal que verificar que por trás de megacorporações, do comércio varejista aos bancos públicos, existe um par de sapatos de salto alto, batom e terninhos de grife adornando inteligências privilegiadas.
As mudanças estruturais alicerçadas em mulheres ao redor do mundo soam como apenas um delírio enevoado se se tem por contraponto o lugar na história de onde saíram e quão longe puderam chegar, à custa de muito esforço e boa dose de autossacrifício. A personagem central de “Conspiração Terrorista” dá a impressão de estar meio desnorteada, num momento de balanço de tudo quanto pôde amealhar ao longo da carreira como agente secreta em oposição ao muito que já perdeu e continua perdendo. O diretor Michael Apted expõe a alma flagelada de uma mulher sem muito estímulo para crer nas supostas boas intenções de ninguém, ao passo que se decide por abandonar o serviço burocrático e tornar a suas funções na espionagem internacional, como se assim recuperassetambém uma parte vital de si mesma.
Intelectuais como a filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) deram colaborações inestimáveis para o robustecimento da causa feminina. Trabalhos a exemplo de “O Segundo Sexo”, lançado em 1949, e “A Mulher Desiludida” de 1967, versaram sobre os desafios de ser mulher num mundo de homens, ou sob a forma de ensaios e elaborações retóricas, como no primeiro, ou a partir de histórias curtas em que personagens femininas despojam-se de vaidades ao dividir com o leitor as agruras de casamentos desditosos. Noomi Rapace faz de sua Alice Racine um Ethan Hunt de batom.
O desempenho de Rapace, tal como o de Tom Cruise na franquia “Missão: Impossível” (1996-2023), é especialmente bom nessas histórias que demandam, além de uma interpretação que se alterna entre o persuasivo e o irretocável, um condicionamento físico que deixa de língua de fora gente muito mais jovem. A disposição para cascavilhar em si mesma elementos que garantam-lhe base para se aprofundar num personagem repleto de nuanças — como fizera sete vezes numa mesma ocasião, caso de “Onde Está Segunda?” (2017), dirigido por Tommy Wirkola — é outra das marcas da presença da atriz na tela, e em “Conspiração Terrorista” não é diferente. Rapace consegue exprimir as frustrações de sua anti-heroína, se segurando para não entregar os pontos depois de afastada do trabalho de campo, graças à falha imperdoável que degringolou num ataque extremista em Paris em 2012, ao passo que faz questão de deixar inequívoco que o resgate da carreira, em todos os seus aspectos mais movimentados, é seu grande sonho — embora continue a sofrer com dramas de consciência.
A guinada vem sob a forma do convite feito por Eric Lasch, o ex-chefe vivido por um Michael Douglas apagado. Racine concorda em integrar a equipe que averigua a suspeita de um atentado de fundamentalistas do Estado Islâmico a Londres. O roteiro de Peter O’Brien denuncia um vazio lógico interessante, que conduz a protagonista ao turbilhão de desencontros que pauta sua tarefa até o desfecho.
John Malkovich e Toni Collette entram nahistória de tempos em tempos e de maneira protocolar, como respiros dramáticos nada suasórios, tanto pior num filme de cadência incontida, quase frenética, como este, ainda que ninguém seja mais constrangedor que Orlando Bloom, num personagem bizarro e, para ser elegante, quimérico. A moral do filme orbita mesmo em torno da relação que Racine passa a manter com Amjad, de Tosin Cole, que some tão rápido quanto aparece e corrobora a sina de loba solitária de uma mulher desgarrada da multidão.
Filme: Conspiração Terrorista
Direção: Michael Apted
Ano: 2017
Gêneros: Thriller/Ação
Nota: 8/10