Biden assinou uma ordem executiva abrangente, afirmando que a violência na Cisjordânia atingiu “níveis intoleráveis”.
As sanções impedem que esses indivíduos acessem propriedades, ativos e o sistema financeiro dos Estados Unidos.
A decisão americana deixa em evidência o aumento da violência na Cisjordânia desde que o Hamas lançou um ataque sem precedentes contra Israel em 7 de outubro.
De acordo com a ONU, desde então, 370 palestinos foram mortos na Cisjordânia. A maioria deles foi morta por forças israelenses, mas pelo menos oito foram mortos por colonos israelenses, afirmou a ONU.
A nova ordem executiva significa que o governo dos EUA tem o poder de impor sanções a qualquer estrangeiro que ataque, intimide ou apreenda propriedades de palestinos.
Essas sanções são uma medida rara do governo dos EUA, visando israelenses, e ocorrem enquanto Biden viaja para o estado do Michigan, que possui uma grande população árabe-americana crítica ao seu apoio a Israel.
Um porta-voz do Departamento de Estado afirmou que as sanções “terão impacto sobre essas quatro pessoas” e espera que Israel faça mais para responsabilizar os responsáveis pela violência dos colonos.
O Departamento do Tesouro dos EUA identificou os quatro israelenses sancionados como David Chai Chasdai, 29 anos; Yinon Levi, 31 anos; Einan Tanjil, 21 anos; e Shalom Zicherman, 32 anos. Três deles residiam em assentamentos na Cisjordânia, e um vivia próximo à fronteira da região ocupada, conforme informado pelo Tesouro.
O presidente Biden disse que a violência na Cisjordânia ocupada representa uma “séria ameaça à paz, segurança e estabilidade”. — Foto: GETTY IMAGES via BBC
Pouco após Biden assinar a ordem executiva, Israel expressou sua insatisfação, descrevendo a maioria dos colonos na Cisjordânia como “cumpridores da lei”.
O comunicado do escritório do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu destacou que Israel toma medidas contra todos os infratores em qualquer lugar, argumentando que medidas extraordinárias não são necessárias.
Esse desacordo público sinaliza uma crescente divergência entre os EUA e Israel. Embora os dois líderes sejam aliados de longa data, discordâncias recentes surgiram em relação à ideia de criar um Estado Palestino independente.
Os EUA defendem a solução de “dois estados”, considerando vital para a estabilidade de longo prazo na região, enquanto Netanyahu rejeitou repetidamente essa proposta.
No mês passado, a Casa Branca reconheceu que os governos dos EUA e Israel “claramente veem as coisas de maneira diferente”, diminuindo as esperanças de reinício das negociações diplomáticas e do processo de paz estagnado entre Israel e Palestina.
Relatório da ONU acusa Israel de violação de Direitos Humanos na Cisjordânia
Desde o início da guerra em Gaza, a violência contra os palestinos na Cisjordânia aumentou consideravelmente. Além dos oito palestinos mortos, outros 84 foram feridos por colonos, segundo a ONU.
Esses assentamentos são ilegais sob a lei internacional, embora Israel questione essa definição.
Alguns dos habitantes deles fazem parte do movimento extremista e ultra-religioso dos colonos judeus. Eles acreditam estar devolvendo a terra bíblica de Judeia e Samaria – a atual Cisjordânia – a Israel.
Essa percepção de um chamamento divino os distingue de outras comunidades de colonos que se mudam para territórios ocupados por razões econômicas ou para ajudar a fortalecer a segurança de Israel na região.
Mas o que os une a todos é a crença de que têm o direito, seja dado por Deus ou não, de reivindicar terras na Cisjordânia.
O passado da região
É amplamente documentado que famílias judias e árabes viveram lado a lado em Jerusalém. No entanto, quando a cidade foi dividida entre Israel e a Jordânia após a Guerra Árabe-Israelense de 1948, famílias judias fugiram de suas casas em Jerusalém Oriental, enquanto os árabes fugiram de suas casas no oeste da cidade.
Nos meses seguintes à guerra, o primeiro assentamento religioso, Kfar Etzion, foi estabelecido. Hoje, estima-se que 40.000 pessoas vivam no assentamento, a apenas 4 km da Linha Verde, a fronteira entre Israel e a Cisjordânia.
Um ano depois, o rabino sionista religioso Moshe Levinger e seus seguidores entraram em Hebron para celebrar a festa judaica da Páscoa, mas nunca saíram. Lá, nos arredores da cidade, ele e seus seguidores estabeleceram Kiryat Arba.
Ao contrário de Kfar Etzion, que contava com apoio estatal, o rabino Levinger e seus discípulos se estabeleceram em Hebron desafiando o governo, explica o autor e professor de história na Universidade de Montreal, Yakov Rabkin. Historiadores e especialistas consideram amplamente este último como o ponto de virada para o movimento de colonização religiosa.
“Eles [colonos religiosos] foram a várias colinas e lugares mencionados na Bíblia, e tentaram se estabelecer neles, porque o que eles querem é ter toda a terra bíblica”, diz Rabkin.
Hoje, o número de comunidades de colonos cresceu para mais de 300 na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, segundo a ONG israelense Paz Agora. Ela afirma que são 146 assentamentos e 154 postos avançados. Apesar da lei internacional, Israel considera os assentamentos legais, mas define os postos avançados como ilegais.
Neve Gordon, professora de direito internacional e direitos humanos na Universidade Queen Mary em Londres, destaca que comunidades que começam como postos avançados frequentemente acabam sendo legitimadas pelo Estado de Israel.
“Eles trarão um tipo de trailer e depois outro trailer. E, aos poucos, ganharão mais terra, e outra família se mudará. No dia seguinte, o exército vem e coloca quatro ou cinco soldados lá para proteger a terra e garantir esses postos avançados.”
Hoje, o sionismo religioso é parte do espectro político do Estado de Israel.
Isso é sustentado pelo impulso dos partidos de extrema-direita para o mainstream por meio do governo de coalizão do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
“Eles tendem a fazer declarações mais provocativas. São mais fáceis de apontar como avatares dessa corrente extremista israelense que percorre todo o governo”, explica Natasha Roth-Rowland, pesquisadora da extrema-direita judaica.
O colonizador e líder do partido Sionista Religioso, Bezalel Smotrich, consistentemente defendeu a construção de mais assentamentos na Cisjordânia e, em uma postagem no X, anteriormente conhecido como Twitter, utilizou linguagem incendiária referindo-se aos palestinos como nazistas.
Em novembro, como ministro das Finanças, ele defendeu uma presença militar israelense ampliada e pediu a proibição da colheita de azeitonas pelos palestinos próximo aos assentamentos israelenses.
O Ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, é outro nome fortemente associado ao movimento religioso de colonização. Ele vive no assentamento de Kiryat Arba e supervisiona a polícia doméstica de Israel, bem como a força de fronteira do país na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.
Ele foi membro do movimento ultranacionalista Kach, fundado pelo rabino americano Meir Kahane, agora proibido em Israel sob leis antiterrorismo. Ben-Gvir já foi condenado por incitar o racismo e apoiar o terrorismo.
Grande parte do movimento religioso de colonização, tanto em nível popular quanto político, tem se fortalecido sob a influência americana.
Em 2021, um vídeo compartilhado nas redes sociais, que registrava um colono judeu-americano tomando posse da casa de uma mulher palestina em Jerusalém Oriental ocupada, ganhou manchetes mundialmente.
“Você está roubando minha casa”, proclamou Muna Al-Kurd.
“Se eu não roubar, alguém mais roubará”, respondeu Yaakov Fauci.
Existem organizações que ajudam judeus americanos, como Fauci, a se mudarem para Israel e os territórios ocupados. Mas não são apenas organizações financiadas privadamente que impulsionam os movimentos de colonização.
Acredita-se que o advogado judeu-americano e ex-embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, apoie colonos religiosos com fortes vínculos com o assentamento de Beit El, ou Casa de Deus em português. O assentamento abriga a Rocha de Jacó, o local onde, na Bíblia, Jacó teve um sonho no qual Deus prometeu a terra aos israelitas.
Sob a administração de Donald Trump, David Friedman esteve envolvido em políticas como a transferência da embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém.
Paralelos estão sendo traçados com as histórias dos colonizadores da América do Norte – o professor Neve Rabkin argumenta que aqueles que apoiam movimentos de colonização ultra-religiosos buscam “deslocar os palestinos para substituí-los”.
O professor Yakov Rabkin concorda: “A história de Israel se entrelaça com a história americana; as únicas diferenças nos Estados Unidos foram que exterminaram a maior parte da população local, enquanto os israelenses não. Mas estão tentando.”
Desde o início da guerra, a ONG Paz Agora registrou o estabelecimento de seis novos assentamentos na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental. Não está claro se esses colonos têm inclinações religiosas ou se mudaram como parte de uma estratégia de segurança mais ampla.
A guerra é um “desastre que se transformou em uma oportunidade”, afirma o professor Neve Gordon.
A organização Jovens Contra os assentamentos, liderada pelo ativista Issa Amro, que defende o fim dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, diz que foi forçada a interromper seu trabalho.
Devido à violência contínua em sua cidade natal, Hebron, Amro afirma que tem sido prejudicado pela ameaça de sequestro, prisão e perseguição.
O jardim de Amro costumava se estender até a rua, mas agora está cercado. As janelas de sua casa estão cobertas de tijolos – nem luz, nem balas podem entrar.
Essas são medidas que ele diz ter tomado por sua própria segurança. Em 7 de outubro – o dia em que o Hamas atacou Israel – o ativista palestino afirma ter sido retirado de seu próprio quintal, detido por 10 horas e agredido por soldados israelenses, alguns dos quais ele afirma serem seus vizinhos colonos.
“Eu posso te dizer os nomes deles. Posso te dizer que este mora aqui e aquele mora ali”, ele diz. “A maioria dos palestinos não sai de casa porque tem medo”, diz.
“Não há sensação de proteção. Não há sensação de segurança. Olhe como eu vivo. Quem me protege?”