O esperado acordo entre o Mercosul e a União Europeia exigiu duas décadas e meia de negociações entre os diversos atores envolvidos. O anúncio feito nesta sexta-feira 6, na reunião do bloco sul-americano, em Montevidéu, no Uruguai, traz expectativas por sua concretização.
Fato é que as consequências não serão imediatas. Entre os líderes presentes no anúncio, a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente Lula (PT) disseram que este “é um acordo ganha-ganha”, com “benefícios significativos de ambos os lados”, mas os efeitos deverão levar tempo para serem sentidos.
O anúncio do acerto é apenas o “primeiro passo em direção à conclusão do acordo”, segundo reconheceu a própria União Europeia.
Para sair do papel, os termos precisarão passar pela chancela de autoridades dos dois lados, incluindo instâncias políticas e lideranças parlamentares. Atores contrários ao acordo, como a França, já disseram que pretendem impedir a concretização.
Quais os próximos passos
As primeiras etapas para a transformação do acordo em efeitos concretos são burocráticas. Autoridades envolvidas nas negociações deverão fazer uma análise do texto sob o ponto de vista da legalidade, acertando as condições ao arcabouço jurídico dos países envolvidos. Em seguida, versões traduzidas do texto serão encaminhadas aos países, até que, finalmente, os líderes dos dois blocos assinarão o acordo.
A etapa seguinte será a aprovação interna dos dois blocos. Do ponto de vista do Mercosul, não deve ser um grande percalço, sendo previsível que conte com a assinatura dos seus membros. As dificuldades estão na busca por consenso entre as 23 nações que compõem a UE.
O acordo deverá passar, primeiro, por duas instâncias europeias: o Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu. É necessário que ele seja aprovado por, pelo menos, 55% dos votos dos países-membros, representando 65% da população europeia.
A França tenta juntar apoios ao seu desejo de fazer com que o acordo não passe dessa etapa. Países como Itália e Áustria, que evitam se manifestar sobre o tema, são alvos para o país governado por Emmanuel Macron.
Se o acordo for aprovado pela instância da UE, mesmo os países contrários a ele terão, obrigatoriamente, de aderir.
Por último, o acordo terá de receber a chancela de cada um dos Poderes Legislativos do bloco europeu. Ao fim da aprovação e da ratificação, os termos entrarão em vigor.
Não há um prazo específico para isso acontecer. Diante da incerteza sobre as condições para a chancela do acordo, uma alternativa seria viabilizar a entrada em vigor dos termos comerciais da proposta, deixando os acertos políticos para um segundo momento. Isso dependeria de um robusto arranjo diplomático.
O acordo, entre oportunidades e riscos
Os representantes envolvidos no anúncio desta sexta destacaram o fato de o acordo pretender criar uma área de livre comércio de mais de 750 milhões de pessoas. Esse contingente tem um Produto Interno Bruto totalizado em mais de 20 trilhões de dólares.
Os números podem indicar o tamanho da oportunidade que se apresenta. Do ponto de vista brasileiro, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada já disse, a partir de um estudo, que o acordo pode gerar um acréscimo de 0,46% no PIB até 2034. O cenário aumentaria as exportações e as importações brasileiras, ampliando o investimento.
Do ponto de vista europeu, a Comissão Europeia sustenta que o acordo também é benéfico — inclusive para a França, que já é o segundo maior exportador para o Mercosul, com 8,6 bilhões de euros (55 bilhões de reais).
Outro ator importante e potencial beneficiado é a Alemanha. O país governado por Olaf Scholz, que, assim como a França, passa por uma crise política, responde por 15,4 bilhões de euros (99 bilhões de reais) em exportações para o Mercosul, importando 6,3 bilhões de euros (40 bilhões de reais).
Segundo a Comissão Europeia, os alemães podem ganhar com a exportação de veículos e em negócios no setor químico.
O maior volume comercial, porém, também tem seus obstáculos. Os agricultores europeus são as principais vozes que apontam tais riscos, alegando que precisam se submeter a regras ambientais rígidas, o que os colocaria em fragilidade frente aos produtores latino-americanos.
Pouco mais de um terço de tudo o que o Mercosul exporta para a Europa é de alimentos, segundo a Comissão Europeia. Protecionistas, os produtores locais temem o crescimento desse número, mas os detalhes do acordo mostram que há barreiras. Uma delas é a previsão de cotas de importação.
Do lado sul-americano, um dos principais desafios será lidar com o risco de expor a indústria local à concorrência externa, que não precisará passar por uma ferrenha proteção tarifária. Esse é um dos argumentos usados pela Central Única dos Trabalhadores para se opor ao acordo, apontando o risco de perda de emprego na indústria local.