Desde o anúncio de sua candidatura, o Kremlin garantiu que Putin não tivesse nenhum adversário com chances de derrotá-lo. Por isso, era certo que ele garantiria um novo mandato por uma vitória esmagadora.
Aos 71 anos, Putin já governou a Rússia por mais tempo do que qualquer governante desde o ditador soviético Josef Stalin, que passou quase 31 anos no poder.
Ele é presidente da Rússia desde 2000, além de ter passado quatro anos como primeiro-ministro devido ao limite de dois mandatos então imposto pela Constituição russa.
De lá para cá, ele mudou as regras para ter caminho livre para concorrer novamente em 2024, “voltando a zero” seus mandatos anteriores. Isso significa que ele também poderá concorrer a outro mandato de seis anos em 2030.
A votação ocorreu nos 11 fusos horários da Rússia e se encerrou às 20h do horário local (15h do horário de Brasília) no ponto mais ocidental do país, no enclave de Kaliningrado.
Houve também eleição na Crimeia, que a Rússia anexou ilegalmente em 2014, e nas regiões ucranianas ocupadas na guerra iniciada em 2022: Zaporizhzhia, Kherson, Donetsk e Luhansk.
Há relatos de que as autoridades detiveram mais de 74 pessoas em 17 cidades da Rússia por ações de protesto relacionadas com as eleições presidenciais.
Esse número veio do grupo de direitos humanos OVD-Info, que anteriormente afirmou que mais de 50 pessoas tinham sido presas.
A BBC não conseguiu verificar essa informação e não está claro o que motivou as detenções e se elas estão ou não diretamente relacionadas com as manifestações contra Putin.
A estimada alta participação nas eleições e o alto apoio ao presidente pretendem ser usados por Putin, segundo dos analistas, para agregar legitimidade às suas decisões relativas à guerra contra a Ucrânia.
O conflito custou a vida de milhares de soldados russos. Outras centenas de milhares de russos, principalmente jovens, educados e de classe média, deixaram o país nos últimos 24 meses, seja porque não concordavam com a guerra ou porque não queriam ser recrutados para o combate.
Mesmo tendo sido excluída da campanha, a guerra é um componente-chave das narrativas midiáticas da Rússia de Putin e um desafio central de seu novo mandato.
Eleições na Rússia: Putin é reeleito com 87,87% dos votos
‘Presidente, é isso que o senhor chama de democracia?’
Logo após o discurso da vitória, Putin respondeu a algumas perguntas de jornalistas, inclusive ocidentais.
Ele falou sobre Alexei Navalny, que foi um dos mais importantes opositores de seu governo na última década.
Foi a primeira vez em anos que ele mencionou o nome do opositor, que morreu repentinamente no mês passado em uma colônia penal no Círculo Ártico. Líderes ocidentais e sua família culparam o governo russo pelo ocorrido.
Neste domingo, Putin se disse favorável a um suposto acordo que teria sido negociado antes da morte de Navalny: o opositor seria libertado em troca de um prisioneiro russo atualmente detido na Alemanha.
Comentando sobre o suposto acordo pela primeira vez e aparentemente confirmando sua existência, o presidente russo disse que a única condição para que ele fosse efetivado seria que Navalny nunca poderia retornar à Rússia.
Vladimir Putin também foi questionado por um jornalista da rede americana de TV NBC, em inglês, sobre Evan Gershkovich, jornalista do Wall Street Journal detido pela Rússia, bem como pelo político opositor russo Boris Nadezhdin, um militante contra a guerra, que foi impedido de concorrer nas eleições.
“Senhor presidente, é isso que o senhor chama de democracia?”, disse o jornalista
“Isso é a vida”, respondeu Putin.
Sobre Nadezhdin, Putin disse que ele não participou da campanha eleitoral devido a um “trabalho insatisfatório” feito por ele antes das eleições.
O mandatário então passou a comentar sobre sobre Navalny, mas não se referiu ao jornalista do Wall Street Journal Gershkovich.
Gershkovich foi preso no ano passado sob acusações de espionagem, na primeira vez em que Moscou acusou um jornalista dos EUA de espionagem desde a era soviética. Sua detenção foi prorrogada pela quarta vez em janeiro e o final do mês fará um ano desde que ele foi detido pela primeira vez.
Putin está mais poderoso do que nunca?
Putin aparece em discurso no qual anuncia ser vencedor das eleições presidenciais. — Foto: Reuters via BBC
Quando a Rússia começou a encontrar crescentes obstáculos em sua campanha na Ucrânia, alguns começaram a sugerir a ideia de que Putin poderia perder poder.
No entanto, desde então, as tropas russas têm mantido o controle de uma parte significativa da Ucrânia, às vezes retomando a ofensiva, e a economia russa tem resistido às sanções internacionais impostas pela guerra, crescendo ainda mais rápido do que as do G7.
Assim, as previsões mais pessimistas sobre o russo deram lugar a análise de alguns especialistas que alertaram que Putin pode ter alcançado o seu auge de poder recentemente. Os mesmos analistas esperam que esta reeleição seja usada pelo governo para retratá-lo como um líder popular, com poucos críticos domésticos.
Mas Putin está realmente mais poderoso do que nunca?
“Há muitas razões que explicam por que o regime (de Putin) pode se manter”, explicou Marlène Laruelle, diretora do Instituto para Estudos Europeus, Russos e Eurasiáticos da Universidade George Washington em uma entrevista à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, no ano passado.
Entre essas razões, Laruelle mencionou a lealdade dos serviços de segurança russos a Putin, o apoio de uma parte da população ao argumento de que a Rússia está sendo ameaçada pelo Ocidente e travando uma luta existencial, e o fato de que aqueles que se opõem a ele ou ao conflito estão impedidos de se expressar livremente ou optam por emigrar.
Após a morte em agosto de Yevgeny Prigozhin, o chefe do grupo mercenário Wagner que liderou um motim contra a cúpula militar russa, “o consenso dos especialistas parece ser que Putin está mais forte do que nunca”, afirmou em outubro Thomas Graham, um especialista em Rússia do Council on Foreign Relations, um centro de análise internacional nos Estados Unidos.
No entanto, alguns acreditam que algo diferente foi exposto na Rússia nas últimas semanas.
‘Início da debilidade’
O presidente dos EUA, Joe Biden, chamou Putin de ‘louco’. — Foto: Reuters via BBC
Kimberly Marten, uma especialista em Rússia e segurança internacional no Barnard College da Universidade de Columbia, acredita que “as eleições em si” não terão muita importância para a força de Putin.
“Mas o processo eleitoral levantou um indício de sua fraqueza”, diz Marten em declarações à BBC Mundo.
Ela aponta, por exemplo, que o político antiguerra Boris Nadezhdin obteve uma importante quantidade de assinaturas a favor de sua candidatura presidencial (segundo ele próprio, mais de 100.000), algo que acabou sendo negado a ele.
Marten considera que “esta nova informação sobre a impopularidade da guerra na Rússia pode dificultar que Putin ordene uma mobilização adicional”.
As proibições de candidatos opositores e o controle que o Kremlin exerce sobre o sistema político russo também diminuíram a legitimidade das eleições como termômetro da popularidade de Putin.
Por outro lado, as multidões que saíram para homenagear o opositor Alexei Navalny após sua morte em fevereiro demonstraram que há uma massa de cidadãos no país dispostos a protestar apesar da onda de repressão.
Em seus cânticos, eles exclamaram coisas inauditas nas ruas russas desde a invasão à Ucrânia, como “Liberdade para os presos políticos!” e “Não à guerra!”.
Este desafio doméstico a Putin se soma ao que ainda é imposto a ele pela Ucrânia com o apoio do Ocidente.
É verdade que a duração do conflito pode causar fadiga em ambos os lados do Atlântico Norte. Mas também está claro que alguns presidentes estão longe de demonstrar o medo e o respeito que Putin procura infundir.
O presidente dos EUA, Joe Biden, o chamou de “louco” no mês passado e o francês Emmanuel Macron disse que não descarta o envio de tropas à Ucrânia para evitar que a Rússia vença a guerra.
O Kremlin advertiu que um desdobramento que inclua tropas ocidentais na Ucrânia provocaria um conflito direto com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), cujos membros têm mantido distância das declarações de Macron.
De todo modo, a prolongação da guerra também apresenta um risco de desgaste para Putin, em primeiro lugar pela possibilidade de repetição de bombardeios em cidades russas. No fim de semana, ataques na cidade fronteiriça de Bélgorod obrigaram o fechamento de comércios e escolas – as autoridades atribuíram os bombardeios à Ucrânia.
Os analistas descartam a possibilidade de a Rússia poder sustentar a longo prazo sua economia de guerra mobilizada, com um aumento nos gastos militares e de segurança em detrimento de planos de apoio do Estado à população.
Putin e Moscou se tornaram mais dependentes da China, que juntamente com a Índia passou a comprar grande parte do petróleo russo em meio às sanções ocidentais pela invasão à Ucrânia.
Num país como a Rússia, onde os fios do poder são tecidos às sombras, é impossível descartar movimentos inesperados que desafiem seu líder, como demonstrado pela rebelião de Prigozhin, seu outrora homem de confiança.
Por enquanto, após a eleição especial do fim de semana, nada indica que a guerra desencadeada por Putin esteja empurrando-o para o abismo como alguns supunham. Mas os limites de seu poder foram expostos.