Vivenciar as dores do crescimento é uma jornada que muitos atravessam, um fenômeno que, paradoxalmente, possui bases científicas, mas idealmente deveria limitar-se à esfera fisiológica, perdurando apenas até a conclusão da puberdade. No entanto, para a personagem central de “O Castelo de Vidro”, a sequência de traumas permeada por megalomania, negligência e o desamparo proveniente de pais inadequados transcende a infância, manifestando-se em cicatrizes que transmigram da alma para a carne. Este tormento transforma a vida da protagonista em um desafio quase intransponível. Destin Daniel Cretton, ao adaptar o romance homônimo de Jeannette Walls, mergulha nas contradições perenes que definem os laços parentais, esticando a corda para expor a falsa harmonia e a loucura velada sob a aparente união de uma família comum.
O roteiro engenhosamente elaborado por Destin Daniel Cretton e Andrew Lanham nos apresenta Jeannette, uma sofisticada colunista social de Nova York, desfrutando de um jantar com o noivo, David (Max Greenfield), e um casal de amigos em um restaurante requintado no inverno de 1989. Contudo, as verdadeiras revelações narrativas aguardam no desfecho, quando Cretton retorna à cena, lançando luz sobre a agonia que permeia a jornada da anti-heroína. Enquanto aguardamos esse desdobramento, o diretor aproveita o primeiro contato do público com a protagonista para insinuar os pontos escandalosamente controversos de sua história. Ao deixar o restaurante, Jeannette observa seu pai revirando o lixo, uma cena que encapsula a complexidade de seu passado, envolvendo egoísmo, vergonha, indignação ou raiva.
Gradualmente, por meio de flashbacks habilmente entrelaçados ao longo do filme, Cretton desvela aspectos que, de fato, não carecem de extensa explicação. Rex, interpretado com maestria por Woody Harrelson, dedica grande parte de sua vida à construção do título sugestivo, o castelo de vidro, uma estrutura visionária que converte a energia solar sem qualquer suporte adicional. No entanto, esse devaneio é alimentado por porções de uísque capazes de abastecer toda a Escócia.
O problema residiria apenas nesse delírio se o lado insano da família Walls contasse com uma contraparte capaz de ancorá-los na realidade. Entretanto, Rose Mary, mãe de Jeannette, interpretada por Naomi Watts, imersa em suas elucubrações artísticas, se perde entre pinceladas e Tchaikovsky em volume máximo, rivalizando a atenção com Harrelson. Brie Larson, notável em “O Quarto de Jack” (2015), desempenha de forma assustadoramente persuasiva o papel de Jeannette, misturando elementos que iludem o espectador sobre quem é o verdadeiro vilão do filme.
O desfecho, infelizmente, revela-se decepcionante com sua solução “Deus ex machina”, resgatando reminiscências de “bons momentos”. A sensação é quase a de assistir a uma comédia romântica, onde todo conflito se resume à hesitação da protagonista em se casar ou adotar um animal de estimação. Apesar disso, “O Castelo de Vidro”, que está na Netflix, se destaca pelas performances excelentes, mesmo que comprometidas por uma busca excessiva por um final feliz que, definitivamente, não se encaixa organicamente na trama.
Filme: O Castelo de Vidro
Direção: Destin Daniel Cretton
Ano: 2017
Gênero: Drama
Nota: 9/10