A personal trainer Manahel al-Otaibi, de 29 anos, foi condenada com base em acusações relacionadas às suas escolhas de vestimenta e à manifestação de suas opiniões online, afirmaram a Anistia Internacional e a organização de direitos humanos ALQST.
Entre suas publicações nas redes sociais, estavam apelos para o fim do sistema de tutela masculina e vídeos dela fazendo compras sem abaya (vestido ou manto longo islâmico), acrescentaram.
Diplomatas sauditas disseram à Organização das Nações Unidas (ONU) que ela foi considerada culpada de “crimes de terrorismo”.
Uma carta da missão da Arábia Saudita em Genebra, na Suíça, confirmou que o julgamento de Manahel al-Otaibi foi concluído com sua condenação em janeiro, mas não forneceu mais detalhes sobre o caso.
Dezenas de pessoas, muitas delas mulheres, foram presas no reino saudita, governado por muçulmanos sunitas, nos últimos dois anos devido a publicações nas redes sociais.
A Anistia Internacional e a ALQST, organização de direitos humanos saudita com sede em Londres, no Reino Unido, afirmaram que Manahel al-Otaibi foi uma das primeiras apoiadoras das reformas sociais e econômicas promulgadas pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman após ele ter sido nomeado herdeiro do trono pelo pai, o rei Salman, em 2017.
Dois anos depois, ela disse à emissora alemã Deutsche Welle que se sentia livre para vestir o que quisesse e manifestar suas opiniões. Ela também explicou que seu comportamento era “baseado no que o príncipe herdeiro disse… que tenho o direito de escolher o que quero vestir, desde que seja digno de respeito”.
Em novembro de 2022, ela foi presa sob acusação de terrorismo em meio a uma forte repressão à dissidência online.
A ALQST afirmou que ela foi inicialmente acusada de violar a lei contra crimes cibernéticos, incluindo “se opor às leis relativas às mulheres, como o sistema de tutela masculina e a lei do hijab (véu islâmico)”; “participar de diversas hashtags contrárias a essas leis”; “ter várias fotos e vídeos com roupas indecentes em contas [de rede social]” e “ir a lojas sem usar abaya, fotografar isso e publicar no Snapchat”.
Sob o sistema de tutela masculina da Arábia Saudita, o pai, irmão, marido ou filho de uma mulher tem autoridade para tomar decisões importantes em seu nome sobre casamento, divórcio e filhos.
A irmã dela, Fawzia, enfrentou acusações semelhantes, mas fugiu do reino naquele ano, após ser intimada a prestar depoimento, acrescentou a ALQST.
Três meses após a prisão de Manahel al-Otaibi, o caso foi remetido ao Tribunal Penal Especializado (SCC, na sigla em inglês).
Grupos de direitos humanos dizem que o tribunal para casos de terrorismo tem sido usado para julgar dissidentes pacíficos — e que é conhecido por violar as normas de um julgamento imparcial e por aplicar penas rigorosas.
Em 9 de janeiro, ela foi condenada e sentenciada a 11 anos de prisão pelo tribunal, mas o veredito só foi anunciado publicamente em uma carta da missão saudita ao Escritório de Direitos Humanos da ONU, datada de 25 de janeiro.
A carta dizia que o tribunal a considerava culpada de “crimes de terrorismo”, com base nos artigos 43 e 44 da lei de combate ao terrorismo. Eles descrevem penas para “qualquer pessoa que crie, lance ou use um site ou um programa de computador ou um dispositivo eletrônico para cometer [um crime de terrorismo]”; e “qualquer pessoa que, por qualquer meio, transmita ou publique notícias, declarações, rumores falsos ou maliciosos, ou algo semelhante, para cometer um crime de terrorismo”.
A carta ressaltava que o tribunal “verificou todas as evidências contra ela, respeitando plenamente os compromissos internacionais da Arábia Saudita”.
“O governo deseja destacar o fato de que o exercício e a defesa dos direitos não é um crime segundo a lei saudita; no entanto, justificar as ações de terroristas descrevendo-as como exercício ou defesa dos direitos é inaceitável e constitui uma tentativa de legitimar crimes terroristas”, acrescenta o texto.
A chefe de advocacia da ALQST, Lina al-Hathloul, afirma que a “convicção de Manahel al-Otaibi de que ela poderia agir com liberdade poderia ter sido uma propaganda positiva para a narrativa bastante elogiada de Mohammed bin Salman de liderar as reformas dos direitos das mulheres no país”.
“Em vez disso, ao prendê-la e agora impor esta pena ultrajante, as autoridades sauditas revelaram mais uma vez a natureza arbitrária e contraditória das suas chamadas reformas, e sua determinação contínua de controlar as mulheres da Arábia Saudita”, avalia.